Justiça em nome do Povo

Foto: Vatican News

Por Manuel José de Almeida e Silva

Juiz Conselheiro jubilado do S.T.J.

É sabido que ninguém pode fazer justiça por suas mãos. É lamentável que se tenha erguido um monumento à chamada “Justiça de Fafe”.

É um princípio consagrado na constituição que os Tribunais são órgãos a quem compete administrar a Justiça em nome do Povo (art.º  202.º n.º 1).

Quem se sente prejudicado pela actuação de outrem – seja de outro cidadão, de uma pessoa colectiva ou do próprio Governo – tem à sua disposição instrumentos legais para reagir. Designadamente o direito de denunciar essa actuação supostamente legal.

Para certos crimes de maior gravidade nem é necessária essa denúncia, competindo ao Ministério Público proceder à repectiva investigação criminal.

Segue-se a instauração de um processo judicial que, no caso de denúncia de um crime, é constituído por duas fases: a da investigação criminal e a do julgamento, no termo do qual é proferida uma decisão através de sentença ou acórdão. Se o queixoso ou o arguido não concordarem com essa decisão poderão, em determinadas situações, interpor recurso para o Tribunal da Relação e do acórdão aí proferido para o Supremo Tribunal de Justiça. Em casos específicos, qualquer dos litigantes poderá recorrer ainda para o tribunal Constitucional.

Esclareçamos que a investigação criminal é realizada por agentes com preparação técnica exigida por lei, sob a presidência do magistrado do Ministério Público, com formação própria (licenciatura em Direito, frequência com aprovação final do Centro de Estudos Judiciários e em concurso público).

Por sua vez, os magistrados judicias, a quem é conferida a competência para apreciação das provas e a decisão do pleito, são também seleccionados através de várias provas públicas.

Os cidadãos estão protegidos pela Lei, tanto o que denuncia o crime, como o acusado de o ter cometido, a quem é garantido o direito de defesa. Em termos gerais, é esta a tramitação do processo judicial.

O que muitas vezes acontece é interferir paralelamente a actividade dos meios de comunicação social, para quem – deve dizer-se – não interessa a solução do caso, mas o aproveitamento dele em termos de aumento da audiência ou de leitores…

Importa compreender que a simples apresentação de uma participação ou denúncia em Tribunal não implica que o caso termine forçosamente numa decisão condenatória. A Constituição estabelece a presunção de inocência do acusado até que a decisão transite em julgado, ou seja até não poder haver mais recurso a um Tribunal Superior.

O que se assiste entre nós, cada vez com mais frequência é uma especulativa interferência de jornalistas, quer na pesquisa de algo que possa relacionar-se com o caso em julgamento ou até já decidido, quer na apreciação abusiva da decisão. Há imensos casos em que exemplificam estas considerações  designadamente quanto a casos de processos por crimes de violência doméstica ou de atentados sexuais a menores. Todos estamos de acordo em que qualquer desses crimes é repugnante e, como diz o povo, não merece perdão.

No entanto, se já é mau “andar nas bocas do mundo”, pior seria bastar uma queixa de pretensa ofendida ou de alegado ofendido para condenar o arguido ou a arguida. A decisão judicial tem de assentar em provas concludentes.

O que nos tem sido dado ver em alguns programa televisivos ou em parangonas dos jornais é uma frenética crítica a absolvições por falta de provas. Nenhum juiz pode, em consciência, condenar qualquer acusado ou acusada se estar convencido de que ele ou ela cometeu o crime de que era acusado ou acusada. Essa convicção terá de resultar das provas que forem produzidas durante a audiência de julgamento. É preferível absolver um criminoso do que condenar um inocente. Os erros judiciários mais clamorosos dizem sempre respeito a condenações.

Nenhum de nós está livre de ser objeto de uma denúncia caluniosa. Imagine-se o leitor nessa situação…

No entanto, o que nos é dado ver é que os meios de comunicação social não se contentam com dar a notícia de um alegado crime e , mais tarde, da decisão judicial que o apreciou.

No primeiro caso, a notícia é redigida referindo o “alegado autor do crime (sic), mas seguida, durante dias a fio por artigos, entrevistas e apreciações colhidas aqui e ali, em termos tais que colocam o visado no pelourinho.

Perante a opinião pública ele já está condenado, sem apelo nem agravo…

Se o Tribunal o vier a absolver não terminará o “folhetim”: não faltarão os entendidos a vir a terreiro, criticando tal decisão.

É caso para pensarmos seriamente: Para que servem os Tribunais?…