
Por M. Correia Fernandes
Ninguém poderá negar que o Presidente da Republica é pessoa atenta aos dramas humanos da condição do país, procurando estar presente mesmo em situações limite da nossa existência coletiva. É esse um estilo presidencialmente invulgar, em que podemos discernir um cariz humanista digno de valorização no universo das atitudes de um presidente. Uma avaliação menos subjetiva dessa forma de estar poderá levar-nos a confrontar tais gestos com o perfil da figura institucional de Presidente da República, que deve combinar a proximidade ao povo com o necessário distanciamento institucional. O prestígio da figura de “Supremo Magistrado da Nação” dificilmente se poderá compaginar com os excessos de um populismo epidérmico.
Recebeu-se na semana passada a informação de que a cidade de Lisboa (e por isso Portugal) tinha sido escolhida para sede das eliminatórias finais e da própria final da Liga dos Campeões Europeus de futebol. Convenhamos que pode ser motivo de satisfações nacionalistas e clubistas, e mesmo até turístico-económicas, ainda que seja duvidosa a probabilidade de os encontros serem apreciados diretamente pelo público presente. Diz-se que os desafios terão centenas de milhões de espectadores por esse mundo além.
Parecem no entanto excessivamente exageradas as apreciações que fez o Presidente, na esteira da opinião expressa pelo Primeiro Ministro, ao considerar o facto “uma vitória antecipada de todos os portugueses”, ao afirmar que “Portugal tem autoridade moral pela forma como conduzimos o combate e pela forma transparente como continuamos a combater”. Pareceram também exagerados os encómios dirigidos ao Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, apresentado quase como herói nacional. Nesta nossa tendência para considerarmos “heróis” os responsáveis e os agentes que cumprem o seu dever faz parte do sentido superlativante que damos às nossas apreciações, e que é homólogo do sentido depreciativo com que as desvalorizamos quando não nos agradam, e nos levam a dizer-se, como aconteceu nesse mesmo dia, que o futebol português não tem nível ou categoria, ou a falar da falar da “mediocridade portuguesa”.
Porém, tudo isto nos deve levar a refletir mais seriamente e a desenvolver uma reformulação de opinião que associe a promoção dos valores positivos à capacidade de autocrítica em relação a tantas formas de pensar e de agir. O excesso de exaltação pode conduzir a quedas estrondosas. No desporto como na vida política e mais na vida económica, social e cultural do país.
Importa ver que não somos diferentes dos outros, nem os outros são diferentes de nós. Esquecemos que integramos um universo civilizacional, o do mundo ocidental, que poderia ser modelo de convivência humana, desde a raiz da democracia à assunção dos valores evangélicos, traduzidos na tríade “liberdade, igualdade, fraternidade”, à promoção constitucional dos direitos humanos. Nesse universo partilhamos valores e esperanças. Somos cidadãos da Europa e cidadãos do mundo. O nosso ideal é a construção de uma humanidade justa e fraterna. Uma das reações mais perturbadoras é aquela que nos leva a usar a expressão “neste país”, quando queremos evidenciar os factos negativos e os males endémicos. Curiosamente é a mesma expressão que ouvimos repetida em outros países, mais ou menos desenvolvidos ou prósperos.
Importa pois desenvolvermos uma avaliação civilizacional, ética e moral da nossa própria identidade, assente nas raízes, desenvolvida na ação e conhecida nos frutos.
De novo importa recordar a opinião do Papa Francisco, expressa na Laudato sì, evidenciando o valor da consciência coletiva: “É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade uns para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos… O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis, orientados para o desenvolvimento integral”. (n. 156, 229).
Ou regressar à frase de Blaise Pascal (1623-1662), segundo a qual o homem não é anjo nem animal, e quando se pretende torná-lo anjo se está fabricando o animal, por isso temos que encontrar um equilíbrio verdadeiramente humano. Ou lembrar a Utopia (1518) de Thomas More, celebrado no dia em que estas palavras são escritas, 22 de junho, ministro sacrificado pelo Rei, que propunha uma sociedade em que o equilíbrio humano, económico e social seria o grande ideal, numa ilha de nenhum lugar, mas projeto de sentido humanista universal.
Parece que a proposta do Papa Francisco é também uma Utopia, mas ela constitui o caminho de um ideal novo de convivência humana.