O Cinema visto pela Teologia (11): o filme “O caminho de volta”

Por Alexandre Freire Duarte

Uma leitura do filme “O caminho de volta”, USA, 2020; dirigido por Gavin O’Connor, com Ben Affleck, Al Madrigal, Janina Gavankar. 

“O caminho de volta” é uma obra que oscila, também pela volatilidade do seu ritmo e o tenso equilíbrio de uma mistura temática, entre a falsa mediocridade e uma criação genial. E isto especialmente pelo seu argumento desprovido de clichés, o seu exímio labor cinematográfico, a sua brilhante banda sonora e, acima de tudo, a sua lista de personagens que, em alguns momentos misturando-se instintivamente com a vulcânica vida real dos atores que as desempenham, gerará uma prenhe e íntima empatia em quem souber o que é a vida.

Por detrás de uma indecisa narrativa, estamos ante uma fina reflexão religiosa marcada pela confluência de quatro modos de viver a “paternidade”. A daquele que ama, não o filho, mas o que este faz; a daquele que vive dilacerado pela perceção de uma (in)evitável culpabilidade parental (e filial) que procura sanar por uma relação substitutiva com os jogadores a quem treina; a daquele que deve cuidar pela educação integral dos jovens a seu cargo; e, sobretudo, a d’Aquele que, tantas vezes oculto sob a ampliação que o nosso egoísmo faz dos nossos problemas, nunca deixa de esperar por, e crer em, nós.

Tudo isto surge na matriz de uma atenta exposição acerca dos efeitos das destrutivas formas cíclicas de dependência e dos (nem sempre reconhecidos) padecimentos decorrentes de perdas inerentes àquelas. Das mais visíveis e socialmente reprováveis (como o álcool) às mais invisíveis e socialmente aceites (como o sucesso e o prestígio). Talvez sejam, por pessimismo ou cinismo,  poucos os que acreditam que pode haver uma vida depois de não se conseguir sair uma, duas ou mais vezes de tais dependências aprendidas e adquiridas ao longo histórias de vida com um rasto comprido. Contudo, a perspetiva cristã é diametralmente oposta: quem não desiste de tentar pode sempre mudar.

Claro que o querer lograr isso por si, ou, melhor ainda, devido aos outros, pode não ser suficiente. Mas até o reconhecer sem autocomiseração essa impotência pode ser salutar para o fortalecer da verdadeira esperança numa mudança, certamente não triunfal, mas redimida. Uma graças à qual se pode ser uma melhor pessoa, conquanto se deixe que a adversidade nos desperte, seja para a dinâmica da pura, exigente e imerecida (embora intencional) graça divina, seja para o que de facto nos devora e corrói. Não a doença, pobreza ou iminência da morte, mas a recusa em amarmos.

Nisto tudo, este filme enfrenta de frente uma das maiores questões da teologia: por que Deus permite o sofrimento? Claro que a mais verdadeira, e neste caso tão mais simples quão mais complexa, resposta é que Ele, sendo Amor, é impotente ante a nossa liberdade e os seus pressupostos, sendo, também assim, Quem mais sofre com tal padecimento (a ponto de até precisarmos de O sarar). Todavia, para se chegar a esta constatação é preciso permitirmos que Deus seja o nosso Treinador na arriscada vida de amor que nos leva, não algures, mas ao Amor que Ele é.

(* USA, 2020; dirigido por Gavin O’Connor, com Ben Affleck, Al Madrigal, Janina Gavankar)