Mensagem (82): Fantasia da caridade

Há quem se lembre de uma «imagem de marca»: aí pelos anos sessenta, o P. Manuel Grilo, que tinha começado a acolher órfãos dos pescadores que morriam no mar, por altura das Missas dominicais, ladeado por duas crianças, sentava-se junto à porta da igreja, estendia a capa negra, fixava o olhar no chão para não ver quem deixava esmola e quanto deixava, e esperava pela generosidade dos fiéis. E consta que esta era tão grande que, de vez em quando, era necessário retirar algumas notas e quilos e quilos de moedas: os matosinhenses, que lhe levavam a casa o peixe, as batatas e todos os géneros alimentícios, com o seu dinheiro, suportavam as outras despesas e permitiam o aumento e a melhoria das instalações. E, assim, se solidificava esta “Obra do Padre Grilo”.

Este é apenas um exemplo do muito que se criou e subsiste entre nós. Pensemos na Obra de Nossa Senhora das Candeias para “acolher, apoiar, educar e formar crianças e jovens em situação de perigo”; no Centro Juvenil de Campanhã, fundado pelo P. José Oliveira para “recolher as crianças que perderam os pais” na tragédia da Ponte das Barcas, de 29/03/1809; no Lar de Nossa Senhora do Livramento, surgido em 1810, para “acolher e proteger do ataque dos populares as crianças loiras do Porto, filhas dos soldados dos exércitos napoleónicos”; o Centro D. António Barroso, fundado por este Bispo, em 1903, para “acolher crianças e jovens das famílias desfavorecidas da cidade do Porto”; a Obra do Padre Luís, criada em 1959, em Oliveira do Douro, para “promover a educação e o desenvolvimento integral a crianças e jovens” pobres, etc. Para não falar em outros tão conhecidos como os Gaiatos do Padre Américo, o Calvário de Beire, as Oficinas de São José, as antigas “Mitras”, etc.

Todas estas obras têm duas tónicas em comum: origem eclesial e sentido quase providencialista de que nada faltaria porque Deus haveria de prover. E assim aconteceu, por meio do coração magnânimo de tantas e tantas pessoas. Algumas são ainda canónicas; outras, já não. Mas todas fazem o bem para o qual nasceram.

Não será isto o que se espera da Igreja? Creio que, mais que manter, ainda hoje, o “Centro Social” fundado pelos Apóstolos, e dirigido pelos Diáconos, para os órfãos e viúvas de Jerusalém, o que importa é esta “fantasia da caridade” que leve a ações proféticas que a sociedade, depois, acarinha, protege, desenvolve.

E, assim, a Igreja humaniza o mundo.

***