
Por M. Correia Fernandes
Completaram em 24 de maio deste ano cinco anos da publicação da encíclica Laudato sì, assinada no dia de Pentecostes de 2015. Neste ano de 2020 o Pentecostes ocorreu em 31 de maio, mas a sua referência é essencial na compreensão de todo o sentido da encíclica: ela quer induzir para a Humanidade um espírito novo, que passa pelo Espírito manifestado em dia de Pentecostes, que a liturgia bem traduz: o Espírito encheu a terra inteira, ele vem transformar o mundo, recriar a vida do homem, congregar o povo na Justiça. É essa Divindade do Espírito que a encíclica traduz na condição humana, e essa é maior mensagem que ela quer transmitir.
Poucos documentos do magistério da Igreja conseguiram movimentar mais vivamente a opinião pública laica: seria preciso recuar talvez até à Pacem in Terris, de João XXIII, ou (menos) à Populorum Ptogressio, de Paulo VI, para verificarmos semelhante acolhimento e debate de um texto papal.
À sabedoria da oportunidade da Paz em tempos de conflitos, à valorização do progresso como promoção humana das populações do mundo para manter o seu equilíbrio, pessoal e relacional (propostas a que os poderes públicos não quiseram atender, e o resultado trágico vê-se nas migrações destes últimos anos), junta-se agora a sabedoria de outro nome da Paz na sociedade de hoje: a ecologia, a valorização da natureza e do ambiente, o esforço e o cuidado pelo equilíbrio do planeta.
Assim o Papa Francisco, que tem revelado uma atenção marcante a todos os sectores da sociedade humana, incluindo os governantes, os movimentos políticos, os fenómenos sociais e os movimentos das populações do mundo, e especialmente atenção aos dramas humanos e aos conflitos destruidores, lança novo repto envolvente de toda a comunidade humana.
Importa no entanto reafirmar que a mais importante dimensão da ecologia que propõe é a da ecologia da pessoa e da sociedade. À ecologia ambiental, de atenção mais imediata e naturalmente aceite propõe outras formas de ecologia: a ecologia económica (a relação equilibrada das relações produtivas e laborais), e ecologia cultural (valorização do espírito, da arte e da tradição), a ecologia da vida quotidiana (espaços do encontro, de convívio, de relacionamento pessoal) bem como atenção ao princípio do bem comum e do relacionamento inter-geracional. Particularmente atual é a proposta do diálogo entre a economia, a política e o equilíbrio de pessoas e comunidades (n. 189 e sg). Esta ecologia do desenvolvimento sustentável, de que fala Francisco é o grande drama do mundo moderno: esqueceram-se os países pobres nas tarefas do desenvolvimento, o que está na base dos movimentos migratórios hodiernos.
Uma presença deste espírito de uma ecologia integral deve fazer-nos pensar na situação da sociedade neste tempo: temos esquecido a presença e o diálogo entre nós; fomentamos a desconfiança e o receio; prejudicamos ou impedimos o diálogo na simplicidade relacional. Temos de começar a percorrer o caminho de transformar a desconfiança em proximidade e diálogo; temos que transformar o afastamento no esforço de estar com, temos que transformar o confinar, mais do que em manter a distância, em dialogar e encontrar.
Esta será a nova tarefa de superação da pandemia: criar uma ecologia do encontro e da solidariedade pessoal e institucional; as mensagens oficiais deveriam saber ajudar a criar condições para o reencontro. Um reencontro em formas inovadoras, mas essenciais. Temos que lavar as mãos da poeira vírica, mas temos sobretudo que lavar as mãos do desencontro.
Pode bem aplicar-se a palavra da encíclica Laudato si: “é sempre possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro”; ou “recuperar os distintos níveis do equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus… este salto para o mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seusentido mais profundo (n. 209, 210).
Este é o espírito que deve orientar a desejada passagem da epidemia ao quotidiano. Tememos que não seja o preferido e sobretudo se torne esquecido.