
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
A manchete do Jornal de Notícias do passado sábado (6 de junho) destacava: “Milhares de famílias falidas com suspensão de festas e romarias”. O JN focava-se no impacto económico da referida suspensão com empresas – algumas sem faturar desde o verão passado – a acumular prejuízos de 53 milhões de euros. As consequências são gravosas no emprego (5000 trabalhadores nas empresas de diversão itinerante, 12 000 na indústria pirotécnica; 750 bandas filarmónicas à beira do colapso que afetará uns 40 000 músicos e empobrecerá grandemente a vida cultural). Nas páginas interiores, onde se pormenorizam tais prejuízos, o JN refere que «a proibição da realização de festas populares e romarias religiosas entrou em vigor com o estado de alerta e vigora pelo menos até 30 de setembro. A maioria das câmaras já cancelou a realização das festas, pelo menos no modelo tradicional» (JN 6/06/2020, p. 27).
As nossas festas geram, portanto, um notável valor económico. Digamo-lo sem ressaibos maniqueus. Omiti-las não é só uma tristeza, é também uma pobreza! Razão tinha um saudoso membro do presbitério diocesano que, em tempos de algum menosprezo pelas manifestações de religiosidade popular dizia e escrevia com claras letras: «Eu cá gosto de procissões!»
Mas poderá algum poder político ou autoridade de saúde proibir ou impedir as festas e, concretamente, as nossas festas cristãs/religiosas? As autoridades constituídas podem, sem dúvida – e em algumas circunstâncias devem –, em nome do bem comum, condicionar e limitar as manifestações públicas das festas. Terão o cuidado de fundamentar com objetividade tais restrições que limitam o exercício de direitos e liberdades constitucionalmente garantidos. Por sua vez, quem na Igreja exerce o serviço da autoridade, tendo em conta que as festas são manifestações de culto católico, tem o indeclinável dever de recordar aos fiéis que não podem agradar a Deus quaisquer manifestações cultuais que colidam com o mandamento do amor ao próximo (indissociável do amor a Deus). Por isso, não são justificáveis formas e expressões de culto que possam comportar um provável risco acrescido e desproporcional para a vida e saúde de quem quer que seja.
Dito isto, há que acrescentar que fazer festa é próprio do homem, expressão da sua dignidade e transcendência. Neste sentido há que dizer que, para impedir as festas, tem primeiro de se suprimir a humanidade. Só seres “humanos” desumanizados poderão subsistir sem fazer festa… Por isso bem andam os Senhores Bispos que, com os respetivos presbitérios, enfrentam a forma de preservar o autêntico sentido da festa cristã e de, ao mesmo tempo, com sentido de responsabilidade e respeito pela saúde e pela vida, salvar o que for possível do nosso património festivo seriamente ameaçado no «estado de alerta» em que nos vamos «desconfinando» de forma muito gradual.
O Bispo de Bragança, por exemplo, recorda os altíssimos valores cristãos e antropológicos destas manifestações festivas, que vão muito para além dos cifrões da interessante reportagem do JN: «o encontro da família, dos vizinhos e dos amigos; a experiência da gratuidade e da liberdade que remete para a transcendência; a preparação séria com novena ou tríduo em que a Eucaristia, a Reconciliação, a escuta da Palavra, o rosário, a reflexão e a oração comum estão presentes; a admiração pela vida exemplar dos Santos; a esmola feita com dignidade e discrição…; a celebração solene da Eucaristia; a “procissão” como ato público de fé, de peregrinação e de expressão da piedade popular».
Vamos então preservar o essencial das nossas festas de Verão, mesmo com sacrifício de muitas das suas expressões tradicionais. No coração da festa cristã, valorizemos a Eucaristia – a tradicional «Missa de Festa» celebrada com toda a dignidade possível, dentro dos condicionamentos atuais que nos inculcam o ideal da «nobre simplicidade» do Concílio. Não se deixem cair as dinâmicas de preparação, como novenas e tríduos, nutridos da Palavra que é também sacramento da Presença real de Cristo e em que se narrem de novo as maravilhas – os milagres – de Deus na vida dos seus santos. Eventualmente poderá apostar-se, nesta preparação, nos novos meios de difusão telemática. Finalmente, a criatividade pastoral, em diálogo e cooperação com as autoridades autárquicas e de saúde, há de encontrar formas alternativas e expressivas de fazer comunidade e comunhão, como aconteceu, por exemplo, no encerramento do mês de Maria na cidade do Porto.