A dimensão religiosa é histórica e geograficamente universal. Disso ninguém tem dúvida. Baseia-se sempre numa fé aceite e compartilhada. Fé séria ou ridícula, fruto de uma «revelação» ou iniciativa de um espertalhaço que a impinge.
Na religião entra uma dupla polaridade: a divindade em que se acredita e a pessoa que lhe presta assentimento. De acordo com a cultura do tempo, ora se acentua mais um, ora outro desses núcleos. No passado, de pendor coletivo, privilegiava-se a instituição e o que ela pregava; neste nosso tempo de forte autonomia individual, predomina a perceção que cada um faz ou quer fazer da realidade. No passado, a pessoa submetia-se; hoje, contesta e desconstrói. Daí a afirmação de que “religião, cada um tem a sua”. Fabricando-a à sua medida, claro.
Porque muito presente no Ocidente, âmbito onde esta perspetiva de autonomia individualista é mais aguda, são a Igreja e a fé católica quem mais sofre com este fenómeno. Consequência: para muitos «crentes», conta mais a sua «maneira de ver» do que a tradição e a fé eclesial. E a «autoridade» é que nada conta se não se compaginar com as suas manias. Neste caso, «aqui d’el rei” que a Igreja está ultrapassada, que esta não se adaptou aos novos tempos, etc. Tal como protestaram aqueles noivos que exigiam que fosse o seu cãozinho a transportar as alianças até ao altar, no dia do casamento.
Risível? Há outros ridículos, porventura mais impressionantes. Por exemplo, o daquela mulher que difundiu amplamente um e-mail a dizer que jamais voltará a entrar numa igreja porque os bispos de Portugal, no conjunto de normas para evitar a propagação do Covid-19, ousaram apelar a que a comunhão se faça na mão e não na boca. Temporariamente, claro. E como ela, num acesso de «piedade» jansenista, valoriza mais a abertura da boca do que a comunhão do Corpo de Cristo, dispara violentamente contra quem não lhe satisfaz os seus caprichos. Para ela, a fé resume-se à sua mania e o previsível contágio dos outros não entra no rol das suas preocupações. Por isso, diz que sai da Igreja Católica. Sai, se é que algum dia lá tinha entrado. Com esta fé…
Há pessoas que reviram os olhos como se estivessem no mais profundo êxtase místico. Mas não é para «ver a Deus» ou ver os outros: é para se contemplarem a si próprias.
O povo atribui uma designação a esse fenómeno e não dá conotação positiva ao termo que emprega: beatério.
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