
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Com o beneplácito e muitas restrições das autoridades de saúde, retomamos as celebrações com a presença e participação do povo de Deus, tal como a natureza da Igreja e da Liturgia o reclama. Todos os participantes e intervenientes nas celebrações da Igreja têm pela frente um largo caminho a percorrer para assimilar as novas «rubricas» e protocolos. E só esperamos que com a nova aprendizagem não desaprendam do que é celebrar de forma normal. Porque, oxalá mais cedo do que tarde, voltaremos à «normalidade».
Mas será que não vai sobrar nada para o futuro desta crise que passou por nós e inevitavelmente nos marcou? Partilhamos aqui com os leitores, algumas perplexidades e reflexões abertas.
– Após 12 domingos sem assembleia mão será que alguns/muitos dos nossos «fregueses» (= filhos da Igreja) se terão instalado numa vida religiosa/cristã sem reunião em assembleia? Não sentirão, eventualmente, a sedução de uma «prática» mais cómoda, de sofá, como consumidores assumidos de produtos religiosos com a liberdade de selecionar de entre os muitos fornecedores «do setor», no intervalo entre uma série televisiva, o visionamento de um noticiário e um show mediático? Ou, pelo contrário, o impedimento de se incorporarem nas nossas assembleias tê-los-á levado a dar-lhes mais apreço, a desejá-las, a ter saudades da vida comunitária porque a privação os forçou a tomar consciência do imenso tesouro que tinham – temos – e a que não se dava o devido valor? E não terão as comunidades de requalificar permanentemente a qualidade das suas celebrações movidas não tanto por estratégias de marketing para «cativar público» mas sim pela conversão permanente que é apanágio da Igreja e da Liturgia («semper reformanda») e pelo esforço de assimilação e maturação de uma autêntica «arte de celebrar»?
– A crise que ainda estamos a viver levou à redescoberta e/ou revalorização da vida familiar, da «Igreja doméstica». Este ponto deveria dar-se por adquirido e sem marcha atrás. É vital que as famílias cristãs se reassumam como espaço fundamental para a vida de fé, esperança e caridade, como verdadeiras Igrejas onde se reza e celebra em «espírito e verdade». Aplica-se também às famílias o dito de Jesus que fundamenta biblicamente a afirmação conciliar da presença real de Cristo na Assembleia: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18, 12; cf. SC 7). Cristo está realmente presente nas grandes assembleias. Mas também o está nos muitos «dois ou três» que se reúnem em seu nome nas casas familiares, como acontecia nos primórdios do cristianismo. Estimular e oferecer subsídios à liturgia familiar passa a ser, de forma indeclinável, missão da Pastoral Litúrgica.
– Qual o papel do «virtual» na vida litúrgica do pós-pandemia? Até à experiência do «confinamento», era dominante o sentido de reserva e crítica em relação às virtualidades das novas tecnologias. Reconhecia-se que eram meios idóneos de informação, mas duvidava-se que pudessem ser também mediadoras de comunhão e íntima participação. A caricatura de pessoas sentadas à mesma mesa mas alheadas umas das outras, apesar de interconectadas em alguma das várias redes e plataformas digitais, desacreditava a idoneidade destes instrumentos para mediar uma comunhão «real». «Virtual» e «real» pertenciam a universos diferentes. E a nós o que mais importa é a «comunhão real» entre pessoas, comunhão que só parece possível pela presença recíproca e simultânea, pelo encontro em espaços físicos partilhados e em tempos determinados.
Com o impacto de uma privação tão prolongada do encontros presencial e com as vivências inéditas que a conexão digital proporcionou, dir-se-ia que «virtual» e «real» deixaram de ser continentes distantes passando a ser “espaços comunicantes” que se intersetam e compenetram com fronteiras difíceis de estabelecer. A desmaterialização do encontro e da presença recíproca não é só negativa; o «virtual» pode ser «virtuoso». Mas não se pode «comungar» indefinidamente desse modo sob pena de mutilarmos a nossa dimensão corpórea que é essencial à nossa humanidade e que é igualmente caminho imprescindível da Liturgia Sacramental: «por nós homens e para nossa salvação desceu do céu e encarnou!».