
Por José Manuel Cabeda
Professor de Genética e Imunologia na Universidade Fernando Pessoa
Nos momentos difíceis, o Homem revela-se no seu verdadeiro potencial. Capaz das maiores atrocidades, face à adversidade, o Homem revela-se capaz de coisas fantásticas. É na resposta à emergência que emerge o melhor de cada um. Não é por isso de surpreender que perante uma catástrofe tão grande quanto minúsculo é o agente que a causa, a Humanidade despoletou uma resposta sem precedentes na sua eficácia, abrangência e dimensão. No momento em que escrevo (menos de 5 meses após o alerta inicial do surto) foram infetadas mais de 5 milhões de pessoas e morreram mais de 300 mil. Mas a resposta dos governos, instituições e cientistas tem sido igualmente impressionante. O vírus foi identificado, o seu genoma sequenciado e foram disponibilizados testes de diagnóstico em apenas algumas semanas. Num período em que a Ciência funciona para muitos como um novo Deus Omnipotente, isto pode parecer banal, mas só é possível com os últimos desenvolvimentos tecnológicos.
Se o surto tivesse ocorrido há apenas 2-3 décadas, isto não teria sido possível. E que dizer da corrida às vacinas e aos tratamentos? Nos mesmos 5 meses estão em desenvolvimento muitas dezenas de vacinas! Multiplicam-se as iniciativas para criar e identificar fármacos para travar a infeção, em alguns casos com resultados interessantes. Cientistas de todo o mundo aderem às recomendações da OMS e tornam públicos em tempo recorde os seus resultados. Muitas revistas científicas tornam as publicações Covid-19 gratuitamente disponíveis para todos. Institutos de investigação disponibilizam meios tecnológicos e humanos para o diagnóstico. O esforço realizado coletivamente pelos cientistas em todo o mundo é talvez, a maior mobilização científica alguma vez vista em torno de um objetivo comum.
Muito para além dos esforços da ciência, é interessante verificar como as sociedades, na sua diversidade cultural, económica e religiosa subitamente foram capazes de adaptar costumes e rotinas para travar o “inimigo invisível” comum. Sem dúvida que os custos económicos, sociais e psicológicos são dramáticos e duradouros, mas vejamos a diferença que fizeram essas mudanças, recorrendo a alguns números: no início do século vinte, a chamada “gripe espanhola” infetou mais de 500 milhões de pessoas no mundo, tendo vitimado mais de 50 milhões; em meados do século vinte, a epidemia da SIDA (que ainda decorre) infetou mais de 75 milhões de pessoas e vitimou 32 milhões. A abissal diferença destes números para os da atual pandemia (que, no entanto, ainda está no início) revela o quão eficientemente estamos a conter o problema. Falta agora manter a eficácia, controlando os efeitos sociais e económicos das medidas.
A luta contra esta pandemia é uma maratona, que ainda vai nos primeiros metros, e que apresenta desafios clínicos, sociais e económicos gigantescos que importa enfrentar e resolver. Mas devemos estar animados com o que já obtivemos. Subitamente, melhoramos o ambiente, descobrimos valores fundamentais como a solidariedade, o cuidar dos mais frágeis, redefinimos prioridades, focalizamo-nos no bem comum, e redescobrimos a nossa fragilidade como indivíduos, sociedade e até como espécie. Subitamente, descobrimos que nem tudo é possível e que não nos bastamos a nós próprios. Subitamente, um minúsculo vírus, realçou a fragilidade do Homem, dos seus costumes e das suas relações. Subitamente Deus voltou a fazer falta. Redescobrimos que só fazemos sentido na relação com os outros, com a natureza e com o Divino. Deus revela-se também nas adversidades, desafios, e nas respostas que vamos dando. Nisso reside a esperança: emergiremos melhores e fazendo melhor.