
Por Ernesto Campos
“O fim da vida é viver, e não compreender”
Unamuno, pensador espanhol, séc XIX-XX
Conta-se que na Argentina, em tempo de peronismo, um certo preso político, confinado numa cela de 3×3 m, passava os dias cruzando a diagonal do seu espaço a rezar terço sobre terço. Há, também, quem aconselhe ler, ler, ler…
Que faz o idoso do seu tempo? Não há velhos iguais. A resposta depende da idade, da sabedoria que tenha vivido, do tipo de personalidade que tenha desenvolvido, da situação em que se encontra. Quanto à idade, é diferente o velho de 65 anos e o de 80, e é diferente o velho de 70 e o de 90 anos. No início da terceira idade é já mais longo o passado do que o futuro, mas são ainda as ocupações do presente que regem a vida; depois dos 80, é o passado que pesa mais do que o futuro, as energias disponíveis já não são investidas no que o presente oferece; não vale a pena ao idoso o esforço de se envolver, por exemplo, nas novidades tecnológicas que, aliás, lhes seriam úteis; tolera coisas antes intoleráveis, e não tolera o que antes tolerava, a cultura nova que agora lhe escapa. Todo este contexto é marcado pelo desenvolvimento da personalidade, mais voltada para a vida interior ou para o que acontece à volta. A tudo isto junta-se a sabedoria, isto é, o equilíbrio entre as qualidades intelectuais e os afetos, a interação do pensamento, da ação e da afetividade; o que, tudo, dará ao idoso maior ou menor satisfação com a vida e com a situação em que está, mais só ou menos só, como quem diz, sentindo-se mais abandonado ou infantilizado, ou mais amado.
O quadro do tempo está envolvido na moldura do espaço. Tempo e espaço são as formas da sensibilidade humana, um espaço ocupado pelas coisas que usamos e um tempo preenchido pelos acontecimentos que vivemos. Mais que a idade, é o nosso modo de ser e de sentir a situação no espaço/ tempo que condicionam a vida. As condições da vida social que a civilização criou empurram os velhos para lares coletivos de dezenas ou centenas de utentes, embora haja muitos acolhidos no quadro familiar e com vida ativa e autónoma. No lar de idosos vemos velhos acamados e dependentes e pessoas autónomas e ativas, no melhor dos casos, marido e mulher em boas condições de conforto e bem estar. Noutros não: velhos solitários ruminam recordações, algumas amargas, dormitam durante o dia, em espaços confinados, cheio de coisas inexpressivas, que nem são suas e num tempo vazio de acontecimentos.
O tempo do idoso é o tempo passado, mas o seu futuro não se lhe anulou e o seu presente existe. E quanto mais o espaço é pobre, mais tem de se lhe enriquecer o tempo presente.
É por isso que as visitas aos idosos deviam ter atenção prioritária; tanto delas precisam como do espaço em que se movimentam para nele viverem a emoção posiiva da visita dos filhos e dos netos, mesmo sem abraços e beijos, que a saúde pública não os consente; mas, sem o afago do toque físico, ao menos com o olhar e o falar que é vida e dá vida. Uma qualquer simples divisória transparente entre visitante e visitado seria solução praticável.
O passado é a riqueza dos velhos, e os filhos e os netos são, dele, o vivo testemunho; privá-los disso é confinar-lhes também o tempo. Sem visitas tira-se ao velho o passado e, no presente, retira-se-lhe o direito a manifestar o afeto e a alegria de viver.
Vésperas de velho, o presente, / hora fagueira de reza, / não tem de ter fatalmente / por companheira a tristeza.