Outra figura portuense em centenário: Ruben A.

Por M. Correia Fernandes

Nome estranho, Ruben A., autor de uma obra de ficção e reflexão histórica sobre as nossas tradições, os nossos mitos e a nossa realidade próxima: Ruben Andresen Leitão (1920-1975) falecido inesperadamente em Londres, aos 55 anos (26-9-1975). Embora com raízes portuenses, nasceu na cidade de Lisboa em 26 de maio de 1920. Assinava a sua obra apenas com a sigla Ruben A. Assim assinou em 1964 a sua mais conhecida obra, A Torre da Barbela, inspirada numa torre medieval no concelho de Ponte de Lima. No Porto lhe foi-lhe dedicado um Colóquio na Biblioteca Almeida Garrett, em Maio de 2003, em que foram apresentados textos de José Augusto França, Teolinda Gersão, Isabel Pires de Lima e outros investigadores, incluindo uma reflexão sobre “A ironia e o cosmopolitismo em A Torre de Barbela”, por André Machado. No Porto das suas origens, familiarmente era primo de Sophia de Mello Breyner Andresen (1920-2010) e do irmão desta, o arquiteto João de Mello Breyner Andresen (1920-1967), que desenhou a casa do primo escritor, construída na vila de Carreço, ao norte de Viana do Castelo. Ambos são homenageados em ruas na cidade do Porto, o primeiro nas proximidades da Casa das Artes, e o segundo nas proximidades do Hospital da Prelada.

No seu percurso de vida, Ruben Andresen Leitão, formado em Ciências Histórico-Filosóficas, distinguiu-se como romancista, cronista, historiador e crítico literário e de arte, foi professor do Kings College em Londres. Mais tarde, foi também administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e diretor geral dos Assuntos Culturais do então Ministério da Educação e Cultura.

Tendo aceitado um convite da Universidade de Oxford para ser docente no Saint Anthony’s College, ali faleceu, acometido de um ataque cardíaco, em 26 de agosto de 1975. Foi enterrado em campa rasa no cemitério do Carreço. Na sua campa encontram-se duas referências: uma lápide que recorda o seu nascimento e falecimento e uma homenagem da população de Carreço em 1985.

A igreja de Carreço possui uma estrutura renascentista, patente no seu pórtico de entrada, e num pórtico lateral manuelino, tendo sofrido depois vários acrescentos ao longo dos séc. XVII e XVIII, incluindo o retábulo do altar mor.

A ligação de Ruben A à Universidade de Coimbra motivou a publicação de um conjunto de estudos sobre o autor, coordenados por José Carlos Seabra Pereira, com o título “O Mundo à minha procura – Ruben A, trinta anos depois”. Nele escreve que a índole autobiográfica desta obra O Mundo á minha Procura manifesta “a fronteira indecisa entre a experiência existencial do autor” e “o desencontro com instituições e pessoas”(p.21).

Para além de A Torre da Barbela, a sua obra mais conhecida e estudada, na qual elabora uma espécie de visão distanciada e crítica da nossa história, em diversas épocas, dado que é inspirada em episódios relacionados com a fundação da nacionalidade, em que as figuras revivem dos seus túmulos e se confrontam com os novos viventes e as novas famílias. Faz lembrar A ilustre casa de Ramires de Eça de Queiroz, igualmente inspirada no deslumbramento do uma torre que o transporta para a sua história.

A sua obra Silêncio para 4 (1973), tem uma construção original: iniciada e terminada em diálogo entre locutores não identificados, é nas suas palavras que a visão dos dramas da vida comum e da vida em sociedade é proposta, em linguagem de estilo de cariz surrealista que induz linhas de análise psicológica e social, leituras de factos e vivências que agitam as personalidades, leitura distanciada pela sua leitura da sociedade a partir de Londres. Lembra-se também a obra Kaos, editada postumamente, e os três volumes do já citado O Mundo à Minha Procura, escrito ao longo dos anos de 1960.

Lembra-se igualmente que a revista Colóquio Letras, lhe dedicou o n.º 181, publicado na sequência do encontro sobre o escritor organizado pelo Centro Nacional de Cultura e realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em 2006. Ali se publicam textos de Guilherme d’Oliveira Martins, Maria Lúcia Lepecki, Fernando Pinto do Amaral, Maria de Fátima Marinho, Ana Maria Machado, Luís dos Santos Ferro e Liberto Cruz. O diretor, Nuno Júdice, afirma: “Ruben A. é um dos grandes escritores do século XX, mas infelizmente não tem tido o reconhecimento que merece. Talvez a leitura deste número possa chamar a atenção de muitos leitores potenciais para essa obra. O grande romance dele é, claro, «A Torre da Barbela», mas queria chamar também a atenção para as páginas de memórias”.

São de recordar as palavras do extenso poema que lhe dedicou Sophia de Mello Breyner (bem fora dos seus hábitos de escrita), datado de Junho de 1976 (um ano após a sua morte), no volume O Nome das Cosas (1977), com o título “Carta a Ruben A.”:

Que tenhas morrido é ainda uma notícia

Desencontrada e longínqua e não a entendo bem

Quando – pela última vez – bateste à porta da casa e te sentaste à mesa

Trazias como sempre alvoroço e início

Tudo se passou em planos e projectos

E ninguém poderia pensar em despedida (…)

Buscarei como oferta a infância antiga

Que mesmo tão distante e tão perdida

Guarda em si a semente que renasce.

Como comemoração do centenário da sua morte, abrindo as comemorações a 26 de maio, a Porto Editora anuncia a publicação de nova edição de A Torre da Barbela, com a chancela “Livros do Brasil”, e comemorações ao longo de 2020 e 2021.