Editorial: No centenário do Papa Wojtyla

Por Jorge Teixeira da Cunha

Cumpre-se neste dia 18 de Maio o centenário do nascimento de Karol Wojtyla, que viria a ser eleito papa em Outubro de 1978 e canonizado em 2014. A sua vida está ligada ao que de mais importante se passou no séc. XX. O seu estilo inovou fortemente a influência da fé cristã em diversos momentos importantes. Por isso, vale a pena voltar a lembrar esta figura grande e controversa. Não há quase nenhuma grande figura da Igreja que não tenha o seu lado controverso.

Os mais velhos lembram o entusiasmo que despertou a sua eleição inesperada como papa. Um homem descontraído, de voz bem timbrada, com uma presença marcante e uma atitude sem formalismo, que deixava ninguém indiferente. Tudo isso era novo no estilo papal. Quem esteve na nossa Avenida dos Aliados, em 1982, dificilmente esquecerá essa figura. Ele próprio nunca mais esqueceu essa recepção que lhe foi feita na Cidade do trabalho, como o testemunhou numa vivita que fez ao Colégio Português de Roma, dois ou três anos depois. O discurso que então fez no Porto é um pequeno resumo da encíclica que acabava de publicar sobre a questão do trabalho, de nome “Laborem exercens”. Nesses primeiros anos, pode dizer-se que o Papa desceu à terra e se tornou um vendaval de espírito novo e de entusiasmo.

A nosso ver, essa faceta de fazer a Igreja descer à rua foi o aspecto mais importante dos vinte e seis anos em que desempenhou o serviço de Pedro. Está mais que comprovado que foi a sua figura e a sua acção que desencadearam o princípio a queda do comunismo em 1989. Ele tinha vivido, na sua Polónia natal, o pesadelo desse regime. Por isso, não admira que tenha empenhado pela sua superação. Mas não foi só comunismo que ele combateu. Não pode esquecer-se o papel que teve na evolução política do Chile ou do Haiti, cujo regime era de sentido contrário. Quem não lembrará a sua mediação na Guerra das Malvinas, ou também o seu apelo agónico, em 2003, contra a segunda guerra do Iraque, uma voz já enfraquecida, mas que enfrentou os grandes do mundo com uma coragem que lhe vinha de longe. Pagou um preço caro pela sua ousadia e teve a sorte de escapar com vida ao atentado de 1981.

A sua inovação dentro da Igreja foi também muito significativa. Ele desbloqueou as relações com a Igreja ortodoxa, com o seu pedido de perdão pelas atrocidades das cruzadas. Teve gestos muito significantes no diálogo com o protestantismo. É justo dizer que ele semeou muito daquilo que tem dado fruto nos anos posteriores à sua morte. Mas, o mais espectuacular da sua actuação foi o diálogo inter-religioso. A visita que fez à Sinagoga de Roma, em 1986, foi um gesto sem precedente e reactou o diálogo com o judaísmo. Os encontros de oração de Assis tiveram um impacto que se mantém até aos nossos dias.

Pode-se dizer que as coisas menos conseguidas são atribuíveis à longa duração do seu pontificado. À medida que a sua saúde enfraquecia, crescia a permeabilidade a ideias e a grupos eclesiais de propósitos menos aceitáveis, como os grupos homossexuais do clero. Não se pode esquecer o início da crise dos abusos de crianças pelo clero, uma bomba de relógio então latente e que explodiu nas mãos dos seus sucessores. Estes aspectos, porém, não devem deixar obscurecer o aspecto principal, ou seja, que o Papa João Paulo II significou um tempo de abertura da Igreja às questões do nosso tempo, com eficácia e com credibilidade. Quem muito sofreu, muito viveu. Pode ser uma divisa para este homem digno de memória.