
Por Lino Maia
Nesta “estação de pandemia” parece estarmos em descensão, reconquistando, pouco a pouco, uma “nova normalidade”. Com prudência, para continuar a vigiar a extensão do vírus, mas afirmando e confiando na responsabilidade de cada um e de todos na gestão da sua saúde, sem discriminação pela idade e respeitando a autonomia pessoal, que não é outra senão a capacidade de cumprir com as próprias obrigações morais.
Aprendemos muito nestas semanas. Provavelmente, coisas boas. Também coisas que devem ser melhoradas e que todos devemos assumir:
- Somos todos vulneráveis. Provavelmente, uns mais do que outros. Alguns reclamam que as suas necessidades sejam atendidas de uma maneira diferenciada. Há pessoas que têm sérias dificuldades para serem reconhecidas como sujeitos de direitos; também de direitos à assistência sanitária, à casa, à educação e à liberdade de decidir. Não valem fórmulas simples para realidades complexas. Que tratando todas as pessoas do mesmo modo, falta-se à equidade e ao reconhecimento de que a igual dignidade merece igual estima e consideração, mas nem sempre o mesmo procedimento.
- Pessoa toda e todas as pessoas. Há serviços essenciais que não podem ser substituídos pelo teletrabalho, pois exigem intervenções qualificadas de cuidados que podem originar graves riscos sendo suspensos. Que se retomem quanto antes os serviços de apoio direto a pessoas com dependência e/ou deficiência, os tratamentos individualizados de tipo socio-sanitário de que necessitam adultos e menores com deficiência ou necessidades especiais, e as medidas educativas de caráter comunitário para famílias em situação de risco e pessoas com vulnerabilidade social.
- Sistema ao serviço das pessoas. A “crise de cuidados” e o “envelhecimento das nossas sociedades”, temas dominantes nos fóruns académicos, económicos e políticos, foram neste tempo desafios que nos fizeram ver que as relações comunitárias nos ambientes naturais são indispensáveis. É imprescindível estabelecer e manter um sistema eficaz e suficientemente dimensionado de serviços sociais, que possa preservar e enriquecer as relações e os apoios comunitários, porque não podemos permitir que o próximo grande colapso seja o das Instituições Sociais de proximidade e de solidariedade.
- Valorização do serviço às pessoas. Há compromissos e lealdades, profissionais ou voluntários, que não se pagam com “salários”, mas com “honorários”, quer dizer com reconhecimento social a quem para além das suas obrigações legais, presta uma atenção de excelência correndo riscos, porque sabe que na relação assistencial não só se joga a dignidade da pessoa atendida (acariciada, alimentada, cuidada, educada, lavada, protegida ou tratada), mas o próprio projeto de autorrealização pessoal.
- A vida é comunhão. Em qualquer momento podemos morrer e não é a mesma coisa morrer bem ou morrer mal, acompanhado ou isolado, porque morrer deve ser sempre “con-morrer”, como viver é sempre “con-viver”. Que, como sociedade, reconheçamos a dívida que contraímos com as pessoas que faleceram em absoluta solidão e sem se despedirem dos seus familiares. Que também devemos fazer o necessário para aliviar o dano que sofreram os seus entes queridos.
- A vida é um dom de Deus. Que um misterioso vírus em menos de três meses colocou o mercado financeiro em alerta, desacelerou a economia global, modificou os hábitos quotidianos, reavivou medos ancestrais e pôs em xeque os líderes do planeta. E obrigou-nos a confirmar a fragilidade humana e a disputar a sobrevivência, a sentir a necessidade do abraço e a valorizar o coletivo, a vergar-nos diante da “mão poderosa e misericordiosa” que tudo fez e a sondar a (re)significação da vida.