
Por M. Correia Fernandes
Lembrou-se em 9 de maio o Dia da Europa. A celebração desse dia recorda o dia 9 de maio de 1950, fez agora 70 anos, em que o ministro da França Robert Schuman, na sequência da devastação material e humana resultante da Grande Guerra de 1939-45, lançou a ideia de uma comunidade que pudesse reunir os países beligerantes em torno da reconstrução de um espaço europeu que fora teatro de guerra.
Nasceu assim a primeira comunidade do Carvão e do Aço, que deu origem, por sucessivos alargamentos à atual Comunidade Europeia. Por isso se lhe chamou o “Pai da Europa”. Importa lembrar que Robert Schuman era homem político e homem de profundas convicções cristãs, de tal modo notórias que tem introduzido o seu processo de canonização e já foi declarado “Servo de Deus”.
A sua ideia de um espaço europeu onde a população vivesse em paz e solidariedade, realizando projetos e ideais de valorização humana, nascia da sua profunda fé cristã e dos ensinamentos da doutrina social da Igreja expressa nas encíclicas papais Rerum Novarum de Leão XIII (1891) e Quadragesimo anno de Pio XI (1931). Pio XII havia afirmado na mensagem radiofónica de 9 de maio de 1945: “Só a paz e a segurança imposta sob justiça podem garantir ao povo um ordenamento público conforme as exigências fundamentais da consciência humana e cristã”.
Foi nesse sentido que na Declaração de 9 de maio de 1950 se afirmava: “A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”. Por isso, neste 70.º aniversário da Declaração lida por Robert Schuman em 9 de maio de 1950 a Comissão Europeia propõe o lançamento da Conferência sobre o Futuro da Europa, e o Centro Europeu Robert Schuman criou um Prémio com o seu nome. O projeto anunciado pela presidente Ursula von der Leyen, nas suas orientações políticas, procura dar mais voz aos europeus sobre a ação da União Europeia e a forma como esta trabalha para eles. Entre os seus objetivos se afirmam: “a luta contra as alterações climáticas e os desafios ambientais, uma economia que funcione para as pessoas, a justiça social e a igualdade, a transformação digital da Europa, a promoção dos valores europeus, o reforço da voz da UE no mundo, bem como a consolidação das bases democráticas da União”.
Pode recordar-se também a palavra da encíclica Laudato sì, do Papa Francisco, sobre o cuidado da casa comum, ao afirmar: “Qual é o lugar da política? Recordemos o princípio da subsidiariedade, que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder. É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Mas não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise actual” (n.º 196).
Por isso a construção europeia constitui um exemplo para o mundo: num espaço que fora palco ancestral de conflitos, desde o Império Romano, as invasões da Idade Média, as guerras seculares constantes e sobretudo as chamadas “Grandes Guerras” de 1914 e 1939, pode desembocar num universo de Paz que promova o desenvolvimento, a promoção social, a superação dos desequilíbrios da população, a criação de novas formas de desenvolvimento equilibrado, como afirma o Papa Francisco: “Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise… Se o Estado não cumpre o seu papel numa região, alguns grupos económicos podem-se apresentar como benfeitores e apropriar-se do poder real… Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e perde-se também em discursos inconsistentes… Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio”.
Todo este universo de ideais deve conduzir, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, a uma efetiva solidariedade entre os países e as populações, particularmente neste contexto de pandemia, incluindo com os povos da Grã Bretanha, cuja lamentável saída enfraquece o Reino Unido e enfraquece a União. Esperamos que se mantenha uma colaboração sensata e respeitosa pelos direitos e deveres mútuos. A saída não pode ser uma nova raiz de conflitos, mas deve desenvolver um dever de cooperação, dentro do mesmo espírito que enforma a União e o sentido de uma Europa que seja modelo de convivência para o mundo, segundo o espírito cristão que está na sua origem e que constitui o cerne da sua unidade.
No Dia da Europa foram lidos por membros de vários dos seus países estrofes da proposição de Os Lusíadas. Lembrem-se as que lembram “A nobre Espanha como cabeça ali da Europa toda”, e “Qual Cume da cabeça da Europa toda o Reino Lusitano” (Canto III, 17 e 20) e lembre-se a visão Pessoana: A Europa olha “O Ocidente, futuro do passado”, através do rosto com que mira: Portugal (Mensagem). São visões que devem recordar que a Europa, civilizacionalmente, se deve tornar o modelo da esperança humana.
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Robert Schuman (1886-1963): a Fé iluminou a sua ação política