Por entre poldras e moinhos

Por João Alves Dias

Nas memórias de minha mãe, a homenagem a todas as mães…

Esta clausura, aceite mas não desejada, traz-me os silêncios dos montes e aviva duas imagens fortes dos meus tempos de menino: as poldras e os moinhos.

Poldras são as pedras que, colocadas no leito dos rios, de uma margem à outra, permitem a passagem a pé. Separadas e irregulares tornam a travessia perigosa. A travessia exige fortaleza esperança e prudência. Fortaleza porque a água é ameaça perigosa sob nossos pés. Esperança porque acreditamos que iremos chegar à outra margem. Prudência porque a mínima desatenção pode provocar o desastre. Recordo as recomendações de minha mãe quando eu tinha de passar nas poldras das Vinhas.

Três atitudes bem necessárias quando a pandemia nos aflige. Como disse o papa Francisco, precisamos de coragem, para enfrentar estes dias soturnos, e de esperança porque sabemos que eles terminarão. Mas, entretanto, necessitamos da máxima prudência para que o contágio não nos atinja. Coragem sem prudência é temeridade. E essa é defeito e não virtude.

Bem cedo comecei a acompanhar minha mãe quando ia moer o milho para a fornada. No inverno, era no “moinho de Cardoso”, num ribeiro que secava no verão. No verão, íamos ao da “ Barge”, no rio Ferreira que, durante o inverno, «pejava» com o rodízio submerso na água. Bem cedo, aprendi a virtude moral da temperança bem expressa no aforisma latino: In médio, virtus.

Criança traquina, muito me custava ficar preso dentro do moinho enquanto ele moía. Distraía-me a seguir o movimento da «taramela», a ripa que trepidava sobre a mó e chamava o grão que estava parado no «quelho». Por experiência, aprendi a primeira lei de Newton: a «inércia» – ”Quando a resultante das forças que atuam sobre um corpo for nula, esse corpo permanecerá em repouso ou em movimento retilíneo uniforme” Sem a taramela, o grão não cairia no olho da mó. O milho nunca seria farinha. E sem esta, não teríamos pão.

Assim, o moinho ensina-nos outras qualidades necessárias para esta hora de incertezas: moderação (temperança), nada de exageros, não apenas na comida e na bebida, e, ainda, muita paciência. Digamos como minha mãe quando eu, criancita, a arreliava: “Deus me dê paciência e um paninho para a embrulhar!” E, porque o tempo se alonga, temos de ser perseverantes e aguentar a provação. Há que inventar tarefas, criar rotinas: “Quanto mais vazia é uma vida mais pesada se torna”.

A taramela é uma pequena peça do moinho e, no entanto, sem ela, não moeria. Assim, devemos aceitar com humildade os alertas das autoridades, da comunicação social, dos familiares. Nos hábitos, uma segunda natureza, também funciona a lei da inércia do repouso. Precisamos de taramelas que nos despertem… “Quem me avisa meu amigo é”. A quem se queixa da vigilância apertada dos filhos, digo: – Demos graças a Deus. É sinal de que nos amam. Querem-nos vivos!