
Por João Alves Dias
No dia em que, mais uma vez, foi renovado o «Estado de Emergência», li um estudo, de 1978, do historiador Ribeiro da Silva sobre os “temores do homem portuense no primeiro quartel do século XVII”. Demorei-me no capítulo “A Peste, Enorme Fonte de Medo”.
Quarentena, reclusão, degredo. As palavras podem variar no tempo, mas todas convergem no isolamento, como necessidade absoluta no combate ao contágio. Foi o que aconteceu em 8 de abril de 1600, quando, em Gaia, morreu uma pessoa “atingida pela peste”. Logo “o corregedor e vereadores determinaram que o lugar de Gaia fosse «impedido», “até ao primeiro quarteirão da lua”. A observância do isolamento seria garantida pela colocação de guardas nos sítios mais aconselhados que impediam o acesso ou a saída da povoação a qualquer indivíduo fosse qual fosse o motivo apresentado”.
O mesmo aconteceu com a “Peste Pequena” que surgiu em Lisboa, em 1600, e rapidamente se espalhou porque “que não haviam desinfectado as casas que tendo sido «impedidas» e, como tal evacuadas, eram, de novo, habitadas, sem prévia beneficiação”. A peste difundiu-se pelo Entre-Douro-e-Minho “veiculada por pessoas regressadas de Lisboa”.
Face a esta ameaça, “os homens da governança” do Porto logo montaram um esquema preventivo com duas frentes: “preparação do local tradicional do degredo dos empestados – Vale de Amores – para onde seria enviada toda a pessoa suspeita de haver contraído a peste” e o “destacamento de um barco que iria a Pedra Salgada (em Avintes) recolher as pessoas provenientes de locais «impedidos» como Galiza, Vila Nova de Cerveira, Vila Real e outras partes de tralos montes”. Pretendia-se, assim, controlar as entradas por via fluvial uma vez que. “as entradas por terra eram mais fáceis de controlar nos postigos e portas da muralha vigiadas por guardas”.
A peste que, em finais de julho, surgiu em Vila Nova, obrigou à “transferência dos doentes para o degredo de Valdamores, com a proibição absoluta da saída de quem quer que fosse do degredo” e ainda, “nenhum vestuário poderia daí ser retirado”. E também ao “isolamento completo do lugar de Vila Nova de forma a impedir qualquer tentativa de saída”.
Com a morte, nesse local a “jusante do Mosteiro da Serra”, de três pessoas, de 17 para 18 de agosto, a “defesa da cidade” foi reforçada com a “proibição da travessia da margem esquerda para a direita, sem qualquer excepção”. E também os moradores de Valbom foram proibidos de vir à cidade porque alguns jornaleiros tinham trabalhado em Vila Nova.
Além de se manter os guardas em apertada vigilância, dia e noite, pediu-se aos párocos ”que admoestassem os seus fregueses acerca do perigo que corriam ao receber pessoas provenientes dos lugares de Vila Nova”.
Em casos pontuais, a transgressão poderia levar a “dois anos de desterro para África”.
A situação era diferente, eu sei, mas vale a lição.