Saúde e economia

Por Ernesto Campos

“A saúde é a unidade que dá valor   aos zeros da vida” – B. Fontenelle, escritor sec. XVIII

O discurso do ministro holandês, mais preocupado com os gastos perdulários dos espanhóis do que com as vítimas do vírus, traduz uma certa maneira de pensar. Questão é saber se tal modo de pensar se anula com as desculpas apresentadas ou se persiste na atitude dos decisores políticos. Afinal, são estes que nos tratam da saúde , enquanto enfermeiros e médicos nos cuidam na doença, em situação de crise e fora dela.

A saúde é um bem, tem custos e bnefícios: mobiliza recursos humanos e materiais, mantém estruturas próprias, produz, distribui e consome medicamentos, movimenta indústria, comércio e serviços específicos e outros, promove a investigação científica e contribui de modo essencial para o bem comum. Se isto não é economia cuja natureza, cujo bem é o desenvolvimento da comunidade, então o que é a economia? Confrontar economia e saúde em termos de bem ou mal recíprocos até o simples senso comum vê aí um paradoxo.

O primeiro ministro de Portugal repudiou, e bem, o discurso do ministro das finanças holandês; porque, de facto, o mais importante será ler o que está subjacente aos discursos políticos sobre a saúde: uma economia de bem estar, em que os gastos são, afinal, ganhos sociais, isto é satisfação das necessidades básicas, ou, em alternativa, a ponderação do custo/ /benefício , prevalecendo o primeiro sobre o segundo na decisão do gestor da coisa pública. Trata-se de maneira de pensar que vai determinar as escolhas.

Sem prejuízo da exigência de racionalidade e equilíbrio na escolha da linha de ação política na saúde, diríamos que, a primeira daquelas alternativas – a economia de bem estar – implica compreensão das necessidades que as ciências biológicas e sociais ajudam a conhecer. Na segunda alternativa, – a ponderação do custo /benefício – a compreensão das necessidades é substituída pela explicação do estado de execução orçamental que a contabilidade e a estatística quantificam. Se a economia da saúde se limita à lógica da correlação estatística e do Deve/Haver de gastos e recursos, foca-se no custo e não no doente e, então, tem pouco a ver com a saúde. A lógica da saúde é a lógica da compreensão, que implica uma ética compassiva, foca-se no doente e não no custo.

Questão, pois, de escolha. E mais que isso, questão de uma certa maneira de pensar que condiciona as escolhas. Boa definição das maneiras de pensar é a que Pascal fez ao definir que “Há duas espécies de espírito”. Um espírito geométrico que se distingue do espírito de finura: o primeiro explica o quadro ecomómico na frieza da descrição; o segundo compreende, numa análise mais fina, a situação vivida. A lógica da explicação está para a lógica da compreensão, como a ética do gestor está para a ética do compassivo prestador de cuidados de saúde e das respetivas maneiras de pensar e seus valores. Pascal explica: O espírito geométrico valoriza a “retidão” dos princípios; a “amplitude”, a grandeza de alma, diríamos, do espírito de finura penetra as consequências dos princípios.

Se não se equilibram a dialética da explicação/compreensão, as vítimas maiores e primeiras são os lares onde os velhos esperam que alguém faça por eles um pouco do que eles fizeram por todos. Esperam, por solidariedade, que, no limite, a escolha para usar o ventilador não seja apenas o critério da idade.