Mensagem (74): Ilhas

Quando, há precisamente vinte anos, São João Paulo II instituiu o “Domingo da Divina Misericórdia” não se sentiu uma particular onda de entusiasmo e de júbilo. Talvez por dois motivos: porque essa «devoção» provinha de revelações privadas, que não entram no Credo; e porque se associa a uma determinada pintura que não será a mais atraente e artística.

Entretanto, a celebração e o conceito foram fazendo o seu caminho. É que vinham de encontro a um específico sensus fidelium: a misericórdia está bem no centro da revelação e da fé cristã. Como disse o então Cardeal Ratzinger, “frequentemente as revelações privadas provêm da piedade popular e nela se refletem, dando-lhe novo impulso e suscitando formas novas. Isto não exclui que aquelas tenham influência também na própria liturgia, como o demonstram, por exemplo, a festa do Corpo de Deus e a do Sagrado Coração de Jesus”.

Este caudal desaguaria no Papa Francisco que faz deste o conceito-chave da vida eclesial. Na convocatória do “Jubileu Extraordinário da Misericórdia”, identifica-a com o rosto de Jesus “que não é outra coisa senão Amor, um amor que se doa e oferece gratuitamente”. Jesus, de facto, nunca pronunciou palavras de condenação ou desprezo, mas sempre operou gestos de carinho e perdão que levaram à mudança de vida daqueles com quem Se relacionou.

Esta é, pois, a identidade dos que seguem o Senhor. Sob pena de se viver outra fé. Indica, originariamente, uma determinada mentalidade: um coração que jamais se fecha ao «mísero», mas sabe dedicar compaixão ao que sofre ou erra. E como esta mentalidade não é estéril, mas operativa, é dela que brotam os sentimentos traduzidos nas ditas obras de misericórdia espirituais e corporais. Algo de tão determinante que o mesmo Senhor Jesus nos garante que é segundo esses gestos que seremos julgados (Mt 25, 31-46). Para asseverar: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7).

No Corão, o atributo “Misericordioso” está entre os mais utilizados para referir o ser de Deus. De facto, esse conceito espelha bem a qualidade da vida divina. E, evidentemente, daqueles que nela são inseridos pelo batismo. Por isso, com o Papa Francisco, seria de proclamar bem alto: “Quanto desejo que as nossas paróquias e comunidades sejam ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença”.

***