Covid-19: valorizar a “comunhão espiritual”

Foto: João Lopes Cardoso

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Tem sido recomendada aos fiéis, já com saudade de se alimentar com o Santíssimo Sacramento, que façam em suas casas a “Comunhão espiritual” ou “Comunhão de desejo”. A teologia clássica ensina que Deus “ligou” a sua graça aos Sacramentos” mas que, Ele próprio, não ficou “ligado”, preso. E, na sua bondade ilimitada, não deixa de a conceder aos que desejam os sacramentos sem os poder receber pelas mais variadas circunstâncias que se sobrepõem à sua vontade – no caso atual a pandemia –. Esta explicação aplica-se a todos os sacramentos que são indispensáveis como “meio” para a salvação: o Batismo, a Penitência (quando pesam na consciência pecados graves) e, neste caso, a Eucaristia: «se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (Jo 6, 53). Se o desejo é autêntico, a “comunhão espiritual” não é “menos real” pelo facto de não ter, de momento, a sua expressão plena que é a “sacramental”. O Espírito Santo – nunca o esqueçamos – é o grande agente e energia da “Comunhão espiritual”.

Esta experiência põe à prova a nossa fé mas pode ajudar-nos a celebrar liturgicamente de forma mais autêntica: “em espírito e verdade”. De facto, toda a autêntica “comunhão” entre pessoas – “seres espirituais encarnados” – tem de ser, indissociavelmente, espiritual e encarnada. E a “comunhão eucarística” é “comunhão” entre pessoas: dos comungantes entre si e de cada comungante – e da totalidade dos mesmos – com a Pessoa do Verbo que se fez carne para ser nosso Pão e, desse modo “místico”/sacramental fazer de todos os “companheiros” (quem come do mesmo pão) o Seu Corpo: «embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão» (1 Cor 10, 17). É o Espírito Santo que torna efetiva na história a unidade de que é o abraço eterno na Trindade: um só Corpo e um só espírito! O nosso problema, transitoriamente, reside na indigência das mediações da necessária “encarnação” ou “corporização” desta Comunhão que não se pode volatilizar. Por isso, quanto mais tarda a hora de nos podermos reunir de novo em assembleia eucarística, mais cresça o desejo!

Estávamos a assitir a um declínio preocupante da qualidade da participação dos fiéis na Eucaristia pela «Comunhão»: aumentava o consumo de partículas consagradas e a “Comunhão” diminuia. Porque, se aumentasse, também aumentariam os seus frutos na santidade (configuração a Cristo) dos comungantes, no cumprimento do mandamento novo, na unidade da Igreja e qualidade da sua vida comunitária e, a jusante, na efetividade do serviço ao mundo, começando pelos mais pobres. E isso não se está(va) a ver… Tantos comungantes e tão pouca “Comunhão”! Comunhões sem desejo de enfastiados, comunhões sem amor de vidas tíbias, comunhões sem reconciliação de afastados, comunhões sem fé de participantes ocasionais que, para não destoar, engrossavam a fila sem saber ao que iam e o que isso implicava…

Sem prescindir do corpo, que também há-de ser espiritualizado para não ser cadáver, quando a “comunhão” não é espiritual não chega a ser um ato humano!

O que se afirma da Comunhão tem de se dizer de toda a autêntica participação, de que ela é o vértice. A Liturgia não prescinde das “cerimónias” próprias de um comportamento social regulado. Mas a Liturgia não é cerimónias. Participar liturgicamente não é fazer alguma(s) das intervenções indispensáveis para “dar corpo” ao ato litúrgico. Participar é, primordialmente, “ter parte” (que grande mercê!) numa ação transcendente que encarna nas expressões simbólicas que dão forma ao memorial da obra divina da redenção. Os sujeitos principais dessa Ação superlativa – o Mistério Pascal – são as Pessoas divinas; e o máximo a que pode aspirar o nosso “participar” não consiste em fazer, dizer, cantar… mas em receber, acolher e deixar-se transformar pela eficácia redentora dessa Ação. Por isso, ninguém ouse desconsiderar a participação passiva que não é «passividade». É, antes, reconhecer que o Sujeito ativo principal não somos nós: é «Obra de Deus», único Protagonista. Consequentemente – porque somos “espírito encarnado” há que dar “Corpo” ao Mistério. Por isso, o Verbo se fez carne. Por isso Cristo associa sempre a si a Igreja nas ações litúrgicas e faz dela, consigo – Esposo e esposa – o sujeito integral das ações litúrgicas. A Liturgia torna-se, assim, obra comum de Cristo e do Seu Corpo eclesial pela força do Espírito. E a nossa participação ativa, “interna e externa” adquire um novo valor: real e indispensável para que haja “sacramento”. Mas subordinado, sem “protagonismos” descabidos.