Covid-19: Rezar, pensar e organizar

Como vive o Papa em tempo de pandemia.

Francisco está a enfrentar a crise do presente e os desafios do futuro que a pandemia do coronavírus trouxe ao mundo e à Igreja. Vive em oração procurando sempre a proximidade com as pessoas apostando na comunicação. Pensa e interroga-se sobre o seu futuro serviço como bispo de Roma e chefe da Igreja. Organizou uma comissão que já está a trabalhar sobre o futuro. E está todos os dias atento à organização da ajuda a quem sofre

Na quarta-feira dia 8 de abril, em plena Semana Santa, o portal de notícias Vatican News deu notícia, com grande oportunidade, de uma entrevista que o Papa Francisco concedeu ao jornalista inglês Austen Ivereigh, autor da biografia “Francisco, o grande reformador – os caminhos de um Papa radical”. A entrevista foi publicada simultaneamente no The Tablet de Londres e no Commonweal de Nova Iorque.

Oração e interrogações

O Santo Padre refere como está a viver no quotidiano a pandemia e a obrigatoriedade de isolamento. Assinala o funcionamento por turnos da Curia Romana para que nunca existam “muitas pessoas juntas” e o facto de na Casa Santa Marta existirem dois horários para o almoço. Mas “todos trabalham, ninguém fica no ócio” – afirma.

Em termos pessoais, o Papa diz que se dedica mais à oração e que, neste momento preocupa-se e pensa muito nas pessoas. “Pensar nas pessoas ajuda-me, faz-me bem, subtrai-me ao egoísmo” – salienta.

Em particular, Francisco declara nesta entrevista que questiona o seu próprio serviço à Igreja e as suas próprias responsabilidades. “Penso nas minhas responsabilidades atuais e no que acontecerá depois. Qual será, nesse depois, o meu serviço como bispo de Roma, como chefe da Igreja?” – interroga-se o Santo Padre na entrevista.

Uma comissão de trabalho

Não obstante, estas questões que se coloca, o Papa Francisco está a enfrentar a crise do presente e os desafios do futuro que a pandemia do coronavírus trouxe ao mundo e à Igreja. Pelo menos já está a procurar desenvolver uma primeira estrutura que recolha dados e informação para uma correta compreensão da situação.

Segundo Francisco, “convém começar a pensar desde agora”, numa situação que se tem revelado trágica e dolorosa. O Papa já está a reunir uma equipa que o ajude a enfrentar esta grande crise que trará consequências para o desenvolvimento dos povos. Para já, o Santo Padre centralizou no âmbito do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral as suas atenções, tendo organizado uma comissão de trabalho.

“Com o dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral organizamos uma comissão que trabalha sobre este tema e reúne-se aqui comigo” – diz o Papa que, desta forma, alargou o leque de colaboradores diretos para poder reunir mais informação na preparação do futuro.

Proximidade e comunicação

“A minha maior preocupação – ao menos a que sinto na oração – é como acompanhar o povo de Deus e estar mais próximo dele” – afirma o Santo Padre na entrevista ao jornalista Austen Ivereigh. A este propósito, Francisco assinala a importância da Missa matinal diária transmitida em direto a partir da Capela da Casa de Santa Marta. Esta Missa, que todos podem ver, permite que as pessoas se sintam acompanhadas. Neste momento de sofrimento mundial, a presença do Papa em direto, celebrando a Eucaristia, tornou-se num vínculo global de esperança que anima o quotidiano dos fiéis.

A aposta na comunicação global, seguindo uma estratégia de proximidade, pensada e organizada pela estrutura de comunicação do Vaticano, está a revelar-se eficaz e um notável esforço em tempo de igreja doméstica. A Eucaristia é vivida em casa com comunhão espiritual. E em cada dia o Papa dedica uma mensagem em forma de intenção de oração. Estas mensagens do Papa assumem uma amiga proximidade nos tempos que vivemos plenos de incerteza.

Organizar a ajuda a quem sofre

O Papa Francisco está muito preocupado com todos os que estão a sofrer com esta pandemia, desde logo, os infetados e suas famílias, os médicos, enfermeiros e profissionais de saúde. Mas, especialmente, a atenção do Papa vai para os mais debilitados da sociedade, aqueles que estão em “situações de fome e de doenças”.

O trabalho da Esmolaria Apostólica tem sido “bastante intenso” – refere o Santo Padre. Para a resolução dos problemas, o Papa diz que têm usado muita “criatividade”. Nesta entrevista, Francisco assume um particular olhar para com os sem-abrigo, denunciando a teoria do descarte. Pois os sem-abrigo, nem nesta crise conseguem ter um teto.

“Os sem-abrigo, continuam sem-abrigo. Há alguns dias atrás vimos uma fotografia de Las Vegas, na qual eles tinham sido colocados em quarentena num estacionamento aberto. E os hotéis estavam vazios. Mas um sem-abrigo não pode ir para um hotel. Aqui pode-se ver a prática da teoria do descarte” – declara o Papa na entrevista.

A organização da ajuda a quem sofre tem sido uma das marcas do Papa, em particular, junto dos sem-abrigo. Foram várias as iniciativas que avançaram nos últimos anos: a instalação de duches nas casas de banho públicas do Vaticano, uma lavandaria e uma barbearia. Ainda recentemente, o Santo Padre mandou renovar um palácio do Vaticano que foi preparado para apoiar os sem-abrigo.

Oportunidade de conversão

“Toda a crise é um perigo, mas também uma oportunidade” – afirma o Papa nesta entrevista, sublinhando que neste momento da História foi diminuído “o ritmo de consumo e de produção”. Para Francisco pode ser este um tempo para “aprender” e “contemplar a Natureza”. “Esta é uma oportunidade de conversão” – assinala.

Para o Santo Padre, existem sinais de conversão para uma “economia menos líquida, mais humana”. Contudo, avisa que “não devemos perder a memória depois que passar a situação presente, não devemos arquivá-la e voltar ao ponto anterior” – afirma.

Para o Papa este é o momento de “passar do uso e abuso da Natureza à contemplação”. “Nós homens perdemos a dimensão da contemplação, chegou a hora de recuperá-la” – afirma Francisco.

O Papa considera que esta conversão só terá futuro se partir da “carne sofredora do povo” e lembra os santos do quotidiano, os heróis desta pandemia: “Médicos, voluntários, religiosas, sacerdotes, profissionais da saúde que fazem o seu serviço para que esta sociedade funcione” – declara Francisco na entrevista publicada no Vatican News.

RS