Mensagem (73): O Camarada

Na Roménia, trabalhada pela Igreja Ortodoxa, durante o tempo pascal, substituíam-se os prosaicos “bom dia” e “boa tarde” por uma saudação mais consentânea com a fé. Quando as pessoas se encontravam, uma dizia: “O Senhor voltou à vida verdadeiramente”. Ao que a outra respondia: “E estará sempre connosco”.

Entretanto, chegou Ceausescu ao poder. Com ele, a opressão da liberdade. Particularmente, a liberdade… de crer e de querer ser livre. Por motivos óbvios, as pessoas não puderem mais usar a expressão religiosa. Mas adaptaram-na. Assim, mesmo no palácio presidencial e nos Ministérios, ouvia-se permanentemente: “O Camarada voltou”. Com alegria, o interlocutor completava: “E estará sempre connosco”. Convencidos de que se referiam a eles, os líderes ficavam entusiasmados com toda esta amabilidade dos seus dirigidos…

O qualificativo de “camarada” não é de escandalizar. Ia ao encontro do «politicamente correto» e exprime forte proximidade afetiva e existencial. Por isso, a palavra foi usada nos contextos mais díspares: na revolução francesa e no franquismo, nos sovietes e entre os militares portugueses que, ainda hoje, não admitem outra forma de tratamento entre eles.

O termo relaciona-se com «camarata», o dormitório coletivo dos irmãos das famílias numerosas. Exprime, pois, intimidade, coesão, proximidade afetiva. Reportado ao dado da fé, manifesta júbilo, alegria, um contentamento não confinável por algo marcante que, como tal, tem de ser celebrado.

Entre nós, a Páscoa constitui o momento mais alto dessa alegria festiva, dessa euforia coletiva. As famílias juntam-se e a emoção vem ao de cima: os sinos e as campainhas, o compasso e as opas, os enfeites e as limpezas, os foguetes e as músicas, as amêndoas e as correrias para a casa dos vizinhos, as comidas e os folares, os afilhados e os padrinhos.

Mas este ano, pelos motivos que sabemos, tudo isto tem de ser redirecionado para uma maior interioridade. Para o âmbito doméstico. O Personagem principal é o mesmo: o Ressuscitado. Mas o contexto, agora, exige outros celebrantes: os profissionais de saúde e sua dedicação exemplar; as forças de socorro e segurança e seus riscos; direções e funcionários de lares e sua abnegação; autarcas e sua proximidade; cientistas e investigadores e sua entrega ao bem comum. E tantos, tantos outros! Até os que, generosamente, improvisam material de segurança. Todos «celebram» religiosamente! Parabéns!

Não obstante tudo, é Páscoa. Então, santa e feliz Páscoa para todos.

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