
Por António José da Silva
Há dias, a propósito do drama provocado pelo coronavírus, uma pessoa idosa fazia questão de recuperar uma memória da sua infância quando, no fim do dia, o pai terminava a oração da família com a invocação de que Deus nos livre sempre da fome, da peste e da guerra. Era uma invocação muito frequente, justificada por séculos de História em que o mundo suportou aqueles flagelos que atingiram a Humanidade repetidamente. Trata-se de flagelos que estão ainda longe da extinção, mas que foram praticamente esquecidas por uma grande parte daqueles que se julgava, erradamente, já não estarem ameaçados por qualquer um deles.
A Fome é ainda hoje uma realidade que afeta muitos milhões de pessoas no mundo, isto num tempo em que a produção de bens é mais do que suficiente para alimentar a Humanidade, mesmo tendo em conta as calamidades provocadas pelos desastres naturais que vão atingindo, com maior ou menor frequência, algumas regiões do globo. Mesmo em tais situações, os homens dispõem actualmente dos meios humanos, técnicos e científicos suficientes para acudir às situações mais gritantes de carência alimentar. Assim o queiram de verdade.
A Guerra é outro flagelo que tem acompanhado sempre a história dos homens, um flagelo cujas consequências foram descritas magistralmente num texto famoso e profundamente impressivo do padre António Vieira, que o director deste semanário tão bem recordou recentemente na sua página habitual dedicada à Cultura. Nas suas múltiplas manifestações, sejam elas de carácter local, regional ou internacional, a guerra aparece sempre ligada umbilicalmente à tragédia da fome, numa espécie de fatalidade que teima em resistir a todas a todas as promessas de felicidade que a Paz acarretaria para o mundo.
Por último, uma referência ao terceiro flagelo referido naquela antiga oração, embora não por esta ordem: o flagelo da Peste. Com ele, a História escreveu algumas das suas páginas mais negras, porque todas ficaram marcadas pelos milhões de mortos que ela foi deixando atrás de si. Foram vinte e cinco milhões no século VI, com a chamada peste de Justiniano; entre setenta e cinco a duzentos milhões, com a peste negra, no século XIV; mais de cem milhões, número que superou o das vítimas da primeira guerra mundial, na chamada gripe espanhola ou pneumónica, em 1918. São números impressionantes que vêm à memória, nesta altura em que a Humanidade se confronta com a ameaça dum vírus que tem nome, mas continua a ser desconhecido, e por isso mesmo mais aterrador. Suficientemente aterrador para fazermos nossa aquela antiga invocação que recordámos no início deste texto.