Solidários, solitários

Por Ernesto Campos

Um por todos e todos por um (Regra de ouro da solidariedade)

Se a conjuntura permitisse brincadeiras traríamos para aqui um neologismo a partir das palavras do título – solitariedade. Mas não. Aquelas palavras nem têm a mesma raiz nem traduzem realidades opostas, embora pareça. O isolamento que as circunstâncias de pandemia nos impõem condena-nos a viver solitários; mas a solitariedade não existe. Existe, sim, a solidão; é uma maldição para quem a ela está condenado, porque a sociedade o marginalizou. Mas pode ser um dom para quem a escolhe como pátria dos fortes e oração silenciosa. Esta solidão, para quem a ama, é, afinal, uma forma refinada e superior de solidariedade, que se pode tornar fecunda e irradiar para os outros o que, nela, fruímos de verdade e de paz. “É no interior do homem que habita a verdade” (Sto. Agostinho).

Na situação pandémica que atravessamos, o isolamento não é fuga egoísta, é cuidar de si e de todos. Agora, ser solitário é cuidar do próximo. Fomos feitos para nos abraçarmos uns aos outros. Abracemo-nos fazendo da ausência do convívio e da distância do isolamento a forma de nos solidarizarmos na solidão útil e fecunda. Aí está a razão pela qual solidário e solitário, afinal, traduzem realidades que não se opõem. Porque a solidariedade é um princípio, um facto, um dever e uma virtude. Princípio social que se manifesta como expressão primordial de todo o desejo humano: ninguém de nós é uma ilha e todos dependemos de todos; a interdependência é um facto. É, por isso, também um compromisso atuante de vinculação recíproca, um dever ético-social, como virtude moral, portanto.

Neste mapa mental de princípio, facto, dever e virtude pode o Estado impor restrições em nome de situações de emergência, obrigando cada um a “sozinhar-se” em isolamento que dir-se-ia desumanizante?

Tempo de emergência é tempo de exceção. Se o Poder é legitimamente constituído pela própria vontade do povo, são legítimas as suas determinações enquanto visam o bem comum do mesmo povo; a sua consciência “manifesta e obriga peremptoriamente a observar” uma ordem que “influa na direção e nas soluções dos problemas da vida individual e comunitária” (João XXIII).

Veículo e expressão desta ordem, hoje, é, por excelência, a comunicação social, também ela ao serviço do bem comum e fundada na solidariedade. Em qualquer circunstância se espera da comunicação social que seja utilizada para a humanização da vida e das relações humanas. E agora, por maioria de razão, se lhe exige verdade e maturidade. Divulgue o que sabe fundamentadamente; edite os conteúdos colocando-se na pele do destinatário da mensagem; evite as banalidades repetidas até à náusea; evite, igualmente, os pressupostos pessoais que quer ver confirmados, dando-lhes falsamente a aparência de perguntas; e não se induzam as respostas. Prudência e objetividade que ajudem os cidadãos a formar opinião correta da situação sem entusiasmos nem alarmismos irresponsáveis. É a verdade a que temos direito.

A pandemia afeta-nos a saúde e tira-nos a tranquilidade e a liberdade. Que a comunicação social faça pedagogia para nos alimentar a esperança e nos lembrar que em tempo de exceção, mesmo em estado de emergência, o mal nunca é a última palavra.