
Por padre Nuno Antunes, pároco do Bonfim, no Porto e Assistente Nacional do Renovamento Carismático Católico
Uma vez que me solicitam, partilho publicamente esta reflexão que já tinha enviado em privado para alguns amigos padres, com algumas adaptações e acrescentos.
Em dias de regresso a casa e de tirar o pó à liturgia das horas, tenho andado à volta com os salmos e o profeta Isaías que me parece ver, sempre, bem mais longe que qualquer poeta do saltério. Em cada salmo é fácil prever um final feliz a misericórdia de Deus é sempre infinita. O salmista sabe disto mas é poeta e por isso não pode deixar de fingir o que deveras sente. Isaías não deixa mais a coisa nas nossas mãos.
Nestes dias que parecem ser os primeiros do que está para vir, o profeta deixa uma visão clara. A natureza vem cobrar e misturar as espécies. O lobo brinca com o cabrito ou o morcego e a cobra brincam com o vírus que o homem vai ingerir e transformar em arma de destruição de si mesmo. Massiva mas não de todos …. Os velhos, os que já não sonham, vão para a terra da promessa de leite e mel, a ver se a coisa se recria, por cá, com aqueles que ainda vamos…. comovidos e mudos. As crianças … são o melhor do mundo… Essas podem meter a mão no ninho da víbora ou a boca na boca do vírus que continuarão, para nosso bem, a saltar e a fazer birra como se nada fosse.
Este tempo vai exigir uma palavra nova à teologia e fará surgir um sentido novo para a história e para os modos de acreditar. A palavra dos teólogos vai ser fundamental e a teologia cristã, provavelmente, a única que existe, vai ter de tomar a dianteira para uma síntese cada vez mais ousada.
Não basta remeter para a Páscoa do Senhor, tem de ajudar a ler a pedra removida e o sepulcro vazio, como este tempo. Precisaremos de uma palavra unânime, não uniforme e aqui vejo com muita clareza a oportunidade de um novo Concílio para a Igreja.
Que exagero, dirão alguns. O atraso evidente do cumprimento do anterior Concílio a isso obriga. Não bastou a renuncia de um Papa, os vários sínodos que temos assistido, a cobardia na tomada de algumas decisões óbvias, os cismas iminentes, a hipocrisia de tantos documentos forjados no lado mais dentro do armário, o banco que ninguém assalta cheio de dinheiro duvidoso.
Por isso esta é uma hora de muita esperança. Muita esperança porque estou convencido que depois deste regresso a casa e às origens, muitos, mas mesmo muitos, quando tudo passar, voltarão à igreja quanto mais não seja para cumprir as promessas. Será a hora de um reencontro feliz com o que de melhor a Igreja tem: as comunidades, os grupos, os movimentos.
Da Cúria Romana não espero nada a não ser que se extinga, ela e a pandemia. O Papa terá ousadia para ainda mais? Claro que sim. Continua a necessitar de quem diga com ele e por ele; deixam-no sempre muito só, mesmo quando a Praça não está vazia. Deus o ajude e a nós nos dê saudinha.