Mensagem (71): Confianças

Uma das imagens que me fica deste tempo de «confinamento» é a de um homem que, diariamente, munido de balde e esfregona, limpa o convés do barco que as gaivotas teimam em sujar. Metaforicamente, as gaivotas são o mal, a preocupação; o barco representa a normalidade da vida e o trabalho que lhe está inerente; aquele homem exprime a tenacidade, o ânimo, a confiança de que o barco, brevemente, venha a ser usado como dantes.

E vai, se Deus quiser. Se o dono não acreditasse nisso, para que despender energias a limpá-lo? Entra aqui a plena confiança no futuro: mesmo que não se veja como e quando, ainda que o presente pareça ensombrar o futuro, aquele homem agarra-se a uma âncora ainda mais inquebrável que a que suporta o seu barco.

Sem confiança não haveria vida humana possível. Que é que leva uma criança de seis anos a acreditar no professor que lhe diz que a terra dá uma volta completa sobre si própria todos os dias e, no espaço de um ano, uma outra à volta do sol? Parece ilógico. Não obstante, acredita, tal como os enamorados se creem mutuamente quando fazem juras de amor eterno.

Curiosamente, no primeiro exemplo, não há falhanços. E no segundo há. E há muitos… O que nos remete para a questão do «objeto» ou das razões da segurança. Para a realidade onde se fundamenta e origina a maior parte das nossas certezas práticas. Para a credibilidade que atribuímos a esta ou àquela realidade.

Nos últimos tempos, acentuamos bastante a crença na sociedade e suas instituições: a economia funcionaria como satisfação de necessidades reais e fictícias; a educação e a cultura haveriam de nos tornar mais ou menos super-homens; o desporto salvaria a humanidade; as estruturas de saúde tornar-nos-iam quase imortais.

Radicalmente falando, esta confiança não estaria mal. Mas exagerou: tornou-se confiança absoluta nas realidades que constituem as teias das nossas relações sociais. E, fundamentalmente, excluiu: se me entrego, em pleno, ao «produto das nossas mãos», ao mundo cá de baixo, que espaço fica, na minha vida, para dedicar às “realidades do Alto”? Este o drama.

O segredo da vida crente passa por saber dosear a confiança. Uma não excluiu a outra. Confiar nas realidades do mundo obriga-nos a colaborar com ele na obra do seu aperfeiçoamento. Confiar no Alto liberta-nos dos falhanços cá de baixo e concede a segurança que nenhuma outra estrutura pode dar.

Este é o segredo da vida humana. Esta é a verdadeira sabedoria.

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