As paróquias já não se reúnem em assembleia para a Eucaristia. As atividades estão suspensas. Publicamos aqui a reflexão de dois párocos da diocese do Porto neste estado de emergência.
Uma Igreja cheia em tempo de quarentena
Por cónego Joaquim Santos, pároco do Santíssimo Sacramento, Porto
Nunca, como no primeiro dia em que celebrei sozinho por causa da epidemia, me senti tão pouco merecedor deste dom e desta missão de ser sacerdote.
Ao entrar, sozinho, na imensa igreja paroquial do Santíssimo Sacramento para celebrar Eucaristia sem o povo (Cf. IGMR, 254 e CIC 902), experimentei, com uma intensidade inédita, como, ainda assim, a celebração é comunitária. Não foi a primeira vez que celebrei em privado, mas sim a primeira em que o povo de Deus que me está confiado está privado da Eucaristia. Frente ao sacrário e à cruz, o espaço vazio atrás de mim encheu-se com a dor causada pela privação do Sacramento e com as orações de todos. Ensurdecedor.
Nunca mereci tal dom – ninguém o merece – mas percebi-o, de novo e bem alto, na possibilidade de celebrar Eucaristia, quando tantos o desejam sem poder. Acredito que o seu desejo os trouxe aqui também, nessa união tão real que o Ressuscitado realiza.
Lendo o evangelho desse dia 14 de março, chamado do filho pródigo, perguntei-me o que nos ensinará Deus com tudo isto que nos dá a viver. A nós todos: aos que estão privados da Eucaristia e aos que estamos chamados a celebrá-la, se possível todos os dias. Não acredito que alguém mereça a privação, como sei que não mereço o dom. Mas creio que, depois disto, nada será igual.
Talvez os nossos bispos pudessem ter encontrado uma medida mais mitigada, como muitos reclamam. Devemos, no entanto, dar graças a Deus pela coragem de uma decisão tão difícil quanto expressiva da seriedade com que se quer enfrentar a situação, e pedir-Lhe que ilumine o caminho adiante.
No evangelho desta missa de sábado nenhum dos filhos sai bem. O mais novo, que ganha a distância cómoda de quem é autónomo, nem que seja à custa da herança, e quer mantê-la ao regressar como trabalhador, não mostra perceber o amor do pai. O mais velho, instalado na falsa proximidade de viver em casa e despeitado pelo prejuízo da chegada do outro, também se quer distante do amor do pai. Nenhum o merece e, no entanto, ele ama sempre. Nunca se defende. Ama na proximidade e na distância, no esbanjamento e no trabalho, na espera e na festa, dentro e fora de casa. Sempre. Imagem de Deus, este pai, quando deixa partir, quando espera, quando corre e abraça, quando sai e insiste, ama, com um amor humilhado, mas invencível.
Dia após dia, celebro numa igreja cada vez mais cheia. Muitos vão chegando à Missa – que não é transmitida – trazidos em breves palavras ou crescentes ausências. Cada vez melhor, se percebe a necessidade desta medida tão custosa e a oportunidade que gera de reinventarmos os espaços de oração e encontro. Talvez, passada a provação, nos sintamos um pouco menos “merecedores” e um tanto mais agraciados.
Entre os que foram para longe, gastar a herança da fé em humanismos sem Deus, e os que ficaram num teísmo sem amor, pode ser que cresça o número dos filhos que se deixam amar. Pode mesmo acontecer que sejamos nós a ir ao Seu encontro, mais que estar sempre à espera que seja Ele a vir ao local e na hora que nos apraz. Ele vem, sempre, mas, no seu grande amor por nós, não desiste de nos fazer como Ele. Filhos muito, mesmo muito, parecidos com o Pai.
Amanhã, celebrarei ainda, se Deus e a saúde o permitirem, talvez a missa pelos enfermos, sempre a festa dos filhos na casa do Pai.
Oportunidades virtuosas do mundo virtual
Por padre Amaro Gonçalo, pároco de Nossa Senhora da Hora, Matosinhos
A Quaresma de 2020 está marcada excecionalmente pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Neste contexto, em que a proximidade física se tornou um risco e uma certa distância física um dever ético, tornou-se incontornável a necessidade de lançar mão de novas ferramentas pastorais, sobretudo as do mundo digital. A internet, com os seus múltiplos recursos, sítios, aplicações e as suas poderosas redes sociais, tornaram-se os nossos principais aliados da evangelização. A tecnologia permite realmente viver uma comunhão que, alguns dizem ser virtual, mas que, na verdade, é um modo novo de habitar o nosso mundo real.
Da nossa parte – e este é apenas um testemunho – procuramos despertar nos agentes pastorais o dever de continuar a evangelizar, formando e alimentando os seus grupos, através do contacto telefónico, dos grupos WhatsApp, do uso do Skype, do Twitter etc. Quando a proximidade física é insubstituível, ela mantém-se dentro das regras definidas. Doravante, alguns grupos pastorais reúnem, em videoconferência ou resolvem as questões por correio e contacto eletrónicos. Sugerimos ao “Laboratório da Fé” (da Arquidiocese de Braga) que se partilhasse um Guião semanal para a oração dominical em família. Pedimos a uma família que “produzisse um filme”, com a gravação desta oração. Começámos a transmitir a Missa ferial e Dominical, a partir de casa, para dar o exemplo. E porque nem só de “Eucaristia” vive a Igreja, começámos também a transmitir em direto, pelo Facebook, o exercício da Lectio Divina. Nos vários passos da mesma, os que a acompanham reagem e interagem com os seus likes e comentários. Avançaremos para a transmissão digital de outras experiências pastorais.
Este sobressalto mediático, em estado de emergência” têm-nos feito pensar se estamos a usar bem, ou em excesso, estes poderosos meios. Quão difícil é lograr uma boa “produção”, que não perverta a beleza da fé em ruído mediático. Há tantos leigos, bem formados nesta área. É tempo de os convocar e envolver. Mas dou-me sobretudo a pensar se não temos menosprezado estes novos recursos. A queixa frequente de nos termos de deslocar para tantas reuniões pastorais, não poderia ser superada, pelo menos, em parte, pelo recurso a um novo formato de presença, mediada por estas novas tecnologias?
Contra factos, não há argumentos. Mesmo com transmissões, através das estações de rádio e de televisão, com cobertura nacional e internacional, as ressonâncias dos numerosos participantes e o registo surpreendente do número de visualizações, mostram quanto as pessoas valorizam a experiência local do global; preferem a proximidade, optam por acompanhar, mais de perto, a sua comunidade, o seu pastor, as suas mensagens. A Internet tornou-se uma verdadeira “rede” de ligação global e de proximidade local, entre pessoas e na própria comunidade cristã.
O desafio é, pois, imenso, porque somos ainda “aprendizes” no uso destes recursos digitais. Esta arte da comunicação exige um esforço ingente e inteligente de investimento, de aprendizagem e de permanente atualização, para se alcançar um uso virtuoso das novas ferramentas do mundo digital, de modo a garantir a maior eficácia pastoral possível. Se este coronavírus tornou mais “viral” a nossa comunicação pastoral, então é preciso aproveitar melhor as oportunidades virtuosas do mundo virtual. E isso implica “cair na real(idade)”, também na nossa prática pastoral.