Aguardada como a inevitável vencedora do Óscar para melhor filme de 2019, a obra “1917”, embora não tenha obtido tal galardão, é das mais significativas que foram produzidas no ano passado.
Por Alexandre Freire Duarte
Trata-se de um drama bélico realista que, exibindo sem enfeites a seriedade da guerra e da morte (e de como estas nos afetam), nos coloca hipnoticamente dentro da mesma, e, a par, crava-se no interior do silêncio da nossa alma. E isto, graças a uma história, uma direção, umas interpretações e uma banda sonora envolventes e, sobretudo, uma cinematografia simplesmente magnífica, que faz deste filme uma belíssima poesia visual.
Desde a teologia, é difícil olhar para este filme e não ver nele uma íntima travessia do “inferno” com um clarão de confiança, esperança e amor no coração. Um clarão que, dando propósito ao que parece ser um desafio tão impossível e fatal que raia o fabuloso, alenta a que sempre se vá colocando, numa lição de bondade e empatia abnegadas, uma batida de coração à frente da anterior. Não numa celebração da glória e bravura, mas da dignidade, competência e persistência, as quais, vividas juntamente com o receio que brota do horror da ferocidade cruel, por vezes raiam a inocência adulta de quem viu a vida ser pulverizada pela inclemência.
Nas nossas vidas, tal como neste filme, quase que não vemos os “adversários” fundamentais que precisamos de encarar (embora, se não formos deliberadamente cegos, vejamos os seus efeitos por todos os lados): o desamor e a mundanidade. Aqueles que, tentando convencer-nos que as nossas vidas só não serão uma ilusão vaporosa se nos agarrarmos tenazmente a elas, fazem-nos ignorar que só seremos “vencedores” se as entregarmos, pelo amor, a algo de maior do que elas. E o façamos, tal como os protagonistas deste filme, numa livre e corajosa obediência àquilo que esse amor nos pede, no que, para tantos dos nossos coevos inebriados pelo “faço o que me apetece”, parece uma loucura.
Nenhum de nós pode furtar-se aos embates com tais “adversários”. Somos sempre convocados a “ir a jogo”. Só poderemos decidir o que fazer, com as “cartas” que temos no nosso coração, quando essas ocasiões ocorrerem. A saber: optaremos por ficar nas trincheiras do conforto apático, ou, pelo contrário, iremos erguer–nos na humildade do serviço e correr, para entregar a mensagem de Jesus mesmo nas situações mais difíceis, em direção ao dar a compartilhar a eternidade do Deus-Amor?
Não nos olvidemos que há vidas espirituais em risco se não elegermos, por vezes sem percebermos a perspetiva mais global em que nos inserimos, a segunda das opções anteriores. E mesmo que a adotemos, não esperemos que muitos queiram acolher a dita mensagem, pois, de tanto algum Cristianismo se ter dissolvido nos enleios do mundano, poucos serão os que crerão encontrar nela algo de refrescante, preferindo dedicarem-se, não ao sublime mistério que é o homem, mas à frivolidade do homem crido como um problema.
(“1917”, um filme realizado em USA, 2019; dirigido por Sam Mendes, com George MacKay, Dean-Charles Chapman e Mark Strong)