Editorial: Crentes perante a suposta pandemia

A real ou suposta epidemia global com que estamos a lidar nos últimos meses veio colocar a humanidade numa situação que dá que pensar. A Igreja não fica alheia ao problema, uma vez que as reuniões que promove podem ser potenciais ocasiões de contágio e já foram emanadas pelas autoridades competentes medidas e conselhos para lidar com o assunto. Mas pode ser útil fazer algumas considerações de outra ordem sobre o tema.

Por Jorge Teixeira da Cunha  

A ameaça generalizada à saúde da população vem lembrar-nos que não somos imortais nem invulneráveis. As conquistas da tecnologia melhoraram de tal forma o tratamento das doenças que podemos criar a sensação de que vencemos a batalha contra as ameaças à saúde. A nossa esperança de vida aumentou muito, conseguimos defender-nos contra os parasitas que ameaçam o nosso corpo. E, no entanto, parece haver uma vingança dos vírus e bactérias. Eis-nos, em pouco tempo, apavorados com a ameaça imprevista. A situação é confusa, alternando, na opinião dos peritos, entre uma ameaça real e a trivialidade de algo visto todos os invernos. Porém, do fundo da nossa alma, vem ao de cima o fantasma da peste e as reações de histeria correspondentes.
Ao contrário do passado, o nosso modo de lidar com a epidemia é baseada em conhecimentos científicos e numa certa confiança de que seremos, a breve prazo, capazes de inventar o remédio para o mal. É neste ponto que podemos lembrar que a doença não é apenas um acontecimento científico e objectivo. A saúde é muito mais do que uma questão química. Em boa verdade, é a força subjectiva de continuar a viver, sabendo que o sofrimento é inevitável e que muitas vezes o ser humano tem de viver com dores. Isso não é uma forma de resignação, mas é o realismo da vida. Perante uma situação de epidemia como a que estamos a viver, é necessário mobilizar os nossos saberes médicos mas não só. É necessário também mobilizar as nossas energias espirituais. Sem estas, o poder tecnológico e o saber científico ficam muito aquém da sua eficácia. A resistência aos agressores do nosso corpo vem da imunologia mas vem também da força espiritual e da correcta colocação do nosso desejo de viver. Desta correcta colocação perante a vida e a saúde faz parte o saber-se vulnerável e a confiança na vida e na providência divina.
Será esta mobilização de saberes e de energias espirituais que nos dará o realismo necessário para viver o momento presente. No passado, sabemos como a situação de peste teve terríveis consequências na convivência cívica, alterando os comportamentos, gerando pavores colectivos e histerias incontroláveis. É aqui que a nossa espiritualidade cristã pode ajudar-nos a ser realistas e a superar os medos irracionais que vêm ao de cima. A humanidade tem capacidades e saberes que a vida colocou sob o seu poder. Não vamos perder o equilíbrio. É necessário confiar no saber médico que tem competência para obviar à situação. A comunicação social tem de ser muito realista para não incendiar indevidamente o mundo com o seu poder de amedrontar. A sua função é dizer só aquilo que sabe e difundir apelos ao comportamento responsável.
Do nossos púlpitos, podemos também ajudar as pessoas. No passado, falámos em castigo divino. Hoje, confiamos em que Deus não promove o mal do mundo. Pelo contrário, Deus está do lado da humanidade no seu esforço por dominar o mal. Numa situação de dificuldade, seremos capazes de sobreviver, confiando em Deus e em nós.