
No domingo, dia 8 de março, decorreu a segunda Conferência da Quaresma no Santuário Coração de Maria sendo palestrante o professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Doutor João Fernandes, com uma comunicação intitulada “Fé e Ciência: pontes (im)possíveis. O orador realizou investigação sobre a formação e evolução das estrelas, física solar e história da astronomia em Portugal.
Como habitual a conferência iniciou com uma canção interpretada por José Mota (teclas), Filipa Monteiro (violino) e Joana Duarte (vocalista), cuja letra referia “Me disseram que a ciência não precisa de religião / Não discuto qual das duas é melhor / O que sei é que a Verdade é bem maior / … /Para além do horizonte existe uma Luz que não tem fim.”
Estava assim dado o mote para o início da palestra, não sem antes uma breve apresentação do convidado por José Figueiredo, que além de descrever o curricula de João Fernandes dedicou umas breves palavras ao Padre Marçal, promotor das conferências e reitor do Santuário, louvando a sua energia, capacidade de liderança e de construtor de pontes de luz e de paz.
João Fernandes começou por referir que é católico por convicção. Já na infância desejava ser cientista. Intuiu também desde tenra idade que a ciência não afasta Deus, talvez por seus pais desde sempre lhe terem apresentado Deus como um Pai. Já mais velho, quando frequentava os estudos na área da astrofísica, os seus colegas lhe perguntavam como podia ser astrónomo e continuar a ir à missa tendo em conta o que aconteceu no século XVII a Galileu. Este grande cientista foi condenado pela Igreja por defender o heliocentrismo, isto é, por concluir que o Sol está no centro do sistema solar e a Terra se desloca à sua volta, contrariando a interpretação bíblica à data. O orador centrou a primeira parte da palestra neste exemplo determinante na génese da convicção de que há uma oposição entre a ciência e a fé. A Inquisição obrigou-Galileu a abjurar, negando as suas descobertas. João Paulo II apresentou desculpas por esse ato.
Apesar disso, na perspetiva de João Fernandes, a relação da ciência de Galileu com a Igreja não foi de oposição, mas correspondeu a uma interação típica do desenvolvimento científico. Partindo de um livro publicado por Galileu no ano de 1610 – duas dezenas de anos antes do processo da Inquisição – explicou a ponte entre as descobertas de Galileu e a Igreja. Nesse livro Galileu relatou as primeiras observações realizadas a partir de um telescópio. Começou por apontá-lo à Lua e descobriu que havia zonas iluminadas na face escura, tendo concluído que este satélite tinha montanhas, contrariando a conceção da altura de que a Lua não tinha relevo. Descobriu também, observando Júpiter, uns pontos brancos à volta desse planeta que a princípio julgou serem estrelas. Contudo, com observações diárias, constatou que a configuração dos pontos variava ao longo dos dias e concluiu serem pequenas luas movendo-se à volta de Júpiter, tal como a Lua se move à volta da Terra. Observou também os outros planetas do sistema solar descobrindo coisas novas que no seu conjunto o levaram a concluir pelo movimento da Terra à volta do Sol.
A Igreja tomando conhecimento dos resultados de Galileu, em 1611, escreveu pelo cardeal jesuíta Roberto Belarmino a quatro sábios jesuítas de um colégio romano de cientistas pedindo que usassem um telescópio para verificar se as observações de Galileu eram reais. Os jesuítas responderam indicando ter verificado as observações de Galileu, tendo havido alguma discordância entre eles na interpretação do que observaram, vencendo a posição que reconhecia a desigualdade da superfície da Lua, todavia não achando que se tratava de relevo, mas de composições diferentes. Concluíram ainda que havia pequenos corpos a orbitar Júpiter.
Nesta altura João Fernandes enfatizou que este processo de repetição das observações por outros cientistas e a discussão quanto à sua interpretação são caraterísticas típicas do desenvolvimento científico e envolveram homens de fé e ciência. De facto, os jesuítas não argumentaram com questões doutrinais e uns anos depois até fizeram uma homenagem a Galileu. Infelizmente vinte anos mais tarde esta relação com a Igreja foi contaminada por outras questões doutrinais no âmbito do processo da Inquisição.
Após um intervalo com uma nova canção, João Fernandes iniciou a segunda parte da conferência dando um breve testemunho pessoal de como é ser cientista e crente. Partilhou que nunca se deu por satisfeito com a postura que encontrava em cientistas crentes que viviam a fé e a ciência como duas dimensões separadas da vida: quando trabalhavam eram cientistas, quando saíam dos laboratórios eram crentes. Sempre pensou que poderia haver pontes entre a fé e a ciência. Assim, colocou-se a si mesmo algumas questões: “Não poderei ser um bom cientista por ser crente? Como interage o meu ser crente e o meu ser cientista? Não haverá pontes?”
João Fernandes indicou que a sua reflexão ainda está numa fase inicial, mas para já encontrou duas pontes entre ser cientista e ser crente. A primeira é a liberdade, pois não existe fé sem liberdade. Ninguém pode ser obrigado a crer e a amar. Mas também não existe ciência sem liberdade. Não se pode obrigar alguém a investigar e a chegar a determinados resultados científicos, isso não seria ciência. Em conclusão, não há fé e ciência sem liberdade.
A outra ponte é a responsabilidade. A ciência sem responsabilidade pode ser perigosa. Exemplificou com o caso da bomba atómica e os problemas da manipulação genética. O cientista tem de ser responsável na produção de resultados, não pode plagiar, deve usar os melhores métodos e não desperdiçar o dinheiro dos contribuintes. Ter fé é também uma responsabilidade. Não é possível ser cristão sem ser responsável. O cristão deve agir em conformidade com a fé, o que implica responsabilidade no trato com os outros, na prevalência da verdade, na coerência de vida.
No final o orador concluiu afirmando que a fé e a ciência têm pontes não só ao nível do seu desenvolvimento, mas também ao nível de quem cultiva ambas no seu dia-a-dia.
A conferência encerrou com uma terceira canção e umas palavras finais do Padre Marçal referindo-se ao contemplar do Universo também como caminho para, como criaturas simples, no ver e no sentir, prepararmo-nos para a Páscoa.
(inf: José Manuel Cruz)