O Cinema visto pela Teologia (8): o filme “Parasitas”

Não creio que muitos pensassem que “Parasitas” fosse ganhar o Óscar de melhor filme de 2019. Muito menos quando pode ser entendido como uma sátira corrosiva à sociedade de Hollywood, a qual se erige sobre moralismos vácuos no meio de comportamentos degradantes. Mas foi isso que aconteceu. Ainda bem.

Por Alexandre Freira Duarte  

Esta obra é um apurado e eficaz caleidoscópio de géneros cinematográficos habilmente entretecidos, que criam no espectador uma sensação de conforto e de empatia, apenas para, depois, a derrubar com estrondo. É mesmo desse modo que ela configura uma extraordinária denúncia de algumas das mais comuns situações que moldam a sociedade globalizada segundo os, por vezes perversos e frívolos, padrões de um capitalismo vertiginoso que, embora tenha retirado milhões da pobreza, gerou sucessivas ondas de desigualdades. Desigualdades entre, sobretudo, os que vivem em bolhas de conforto snob, complacente, ilusório e narcotizante face ao (por eles incompreensível) sofrimento dos demais, e, por outro lado, os que, sendo destituídos, esquecidos e padecendo da dependência do desejo apocalíptico de serem como aqueloutros, não olham a meios para o lograrem, inclusive oprimindo quem ainda menos tem.

Se uma mensagem teológica pode ser extraída desta obra, é a que nos diz que a riqueza, por mais que o pareça lograr, não faz ninguém feliz. Pelo contrário: ela, tendendo a ser tão facilmente endeusada na sua falsidade que nos devora, torna caloso o nosso coração, colocando-nos num labirinto formado pelas paredes da eficácia, do deleite, da ambição, das aparências e da arrogância. Tudo isso faz-nos esquecer a nossa dependência, quer do Deus-Amor, quer dos demais, inclusive e particularmente, os que têm menos do que nós (tendo assim o direito à nossa compaixão sanante), e que, pelo simples facto de se cruzarem connosco, surgem como ameaças à nossa pretensa segurança erigida pelas aduzidas paredes.

Ou seja: “parasitas” somos todos nós que, anuindo a confundirmos as desigualdades económicas com desigualdades humanas, nos deixamos levar por tal insaciável engrenagem brutal. Aquela que cria a aparência de que a vida pode tornar-se melhor pelo consumo e a riqueza (que só geram violência e exploração), e não pelo amor que, como nos garantiu Jesus, nos arranca ao nosso egoísmo, cobiça e amor-próprio. Isto é, nos arranca aos “parasitas” radicais que vivem no nosso coração, sem nos darem nada em troca senão o nos secarem espiritualmente ao estimularem os, sempre nocivos, cotejos nefastos com os demais.

Cotejos nefastos, sem dúvida, uma vez que, distorcendo os nossos desejos mais profundos por Deus e pelo amor verdadeiro, nos colocam numa espiral de desumanidade disfarçada por betumes cosméticos de bondade episódica que, quando muito, mascaram uma consciência asfixiada. Uma em que, quando tais máscaras caem, patenteia aquela desintegração moral em que a nossa Esperança, que é sempre o Senhor Jesus, quase que não consegue penetrar.

(o filme Parasitas foi realizado na Coreia do Sul, 2019; dirigido por Bong Joon Ho, com Kang-ho Song, Sun-kyun Lee e Yeo-jeong Jo)