Os meios e os fins

“A ação põe as paixões em prática, mas é a palavra que as suscita”

De Gaulle, estadista Francês 1890-1970

 

Ninguém quererá morrer sozinho e em sofrimento. Uma boa morte, assistida pelos entes queridos é o desejo natural de toda a gente; mas a Assembleia da República entendeu dever regulamentar com direitos e deveres este desejo natural; uma regulamentação aprovada por maioria de votos mas que tem ainda muito que se lhe diga.

Por Ernesto Campos  

Desde logo, além doutros aspetos, criou-se a confusão entre o significado de eutanásia e do seu antónimo, morte assistida e homicídio ou suicídio; sobretudo confusão entre ética e moral, palavras que frequentemente enchem os discursos parlamentares.

Na sua etimologia, ética e moral têm o mesmo significado, referem-se a costumes. Paul Ricoeur propõe reservar o termo ética para o que é considerado bom, os bons costumes, e o termo moral para o que é tido como obrigatório, a norma que torna obrigatório um certo costume, certas obrigações e interdições. Defende o autor: 1) Primado da ética sobre a moral; 2) Passagem da perspetiva ética pelo crivo da norma; 3) Recurso da norma à perspetiva ética em caso de conflito, atendendo à singularidade da situação.

De facto, não é raro surgir conflito entre um acto bom e a palavra legal que interdita a prática do acto ou a lei que impõe o acto . N a tragédia grega, Antígona enfrenta o dever religioso de sepultar o irmão contra a lei que o proíbe por o irmãoestar proscrito como inimigo do Estado; há uma lei dos deuses que vale mais que a lei dos homens, diz. E um psicólogo americano imagina a situação em que a doente em risco de vida carece de medicamento caríssimo que a farmácia recusa entregar sem dinheiro; um familiar assalta a farmácia e rouba o medicamento; salvar a doente é uma exigência ética,, roubar é crime e imoral.

Os projetos sobre a eutanásia deverão ser fundidos numa lei única que se considerará boa porque aprovada por maioria, se as coisas seguirem esse rumo. Mas mantem-se a questão do primado da consciência ética ou a prevalência da lei. Supondo, por exemplo, que a lei consagra a sedação profunda (solução francesa) perante o sofrimento atroz ou/e um comprimido letal para lhe pôr fim, que caminho?

Atribui-se a S. Tomás de Aquino a teoria o duplo fim, de que pio XII também falava: um acto é eticamente bpm se o seu fim tem um efeito benéfico embora implique também efeito maléfico. Especificando: 1) O acto deve ser bom ou neutro ; 2) O benefício deve resultar do acto e não do efeito negativo; 3) O efeito negativo não pode ser desejedo mas tão-só tolerado; 4) O efeito positivo deve ser mais forte ou igual ao negativo.

Aplicamdo aqui a teoria consideraríamos que na sedalão profunda a motivação/intenção do acto é atenuar/anular o sofrimento; o fim justificaria o meio. Ao contrário, no uso do comprimido letal, a morte breve, o malefício sobrepõe-se ao benefício, e o meio elimina o sujeito; isso, a teoria do duplo fim, que visa o bem do sujeito, não o consente.

Estas subtilezas estarão, quiçá, ausentes dos discursos parlamentares mas constituem, em última análise, uma sabedoria prática (P. Ricoeur). Trata-se de sobrepor à ligeireza formal da palavra maioria (eticamente oca) a intuição duma prudência ética que é a verdadeira regra de ouro.