No Natal, uma amiga ofereceu-nos o livro As cartas da prisão de Nelson Mandela, com a dedicatória “Espero que gostem tanto como eu. Uma lição de VIDA”. Símbolo maior da fraternidade universal, penou, durante 28 anos (1962-1990), nos cárceres racistas da África do Sul.
Por João Alves Dias
“Nos primeiros tempos, a comida era praticamente intragável. As condições climáticas eram extremas – «calor tórrido» e no inverno, «um frio cortante». Ao princípio, os presos africanos eram obrigados a usar calções e sandálias durante todo o ano. Durante a semana, trabalhavam no pátio a partir pedra com martelos. No início de 1965, começaram a trabalhar na pedreira. Era um trabalho duríssimo”.
Muitas das suas cartas nunca chegaram a ser expedidas como aquela que, em 9/12/1979, escreveu à filha mais nova. Foi encontrada nos arquivos da prisão dezanove anos depois de ter sido libertado, acompanhada de uma nota na qual um funcionário da prisão escrevera que «ele não estava autorizado a enviar uma carta com um cartão de Natal».
Nas cartas que escreveu à família, revela-se carinhoso e atento aos mínimos pormenores da sua vida. Exemplo é a que, em 23.6.69, enviou às duas filhas mais novas, então com 9 e 10 anos que nunca o tinham visitado porque só era permitido a maiores de 16 anos.
Começa por lhes falar da prisão da mãe e da falta que ela lhes fará.
“A nossa querida mãe foi presa mais uma vez. Terão de viver muito tempo como órfãos, sem um lar e sem pais, sem o amor e a proteção que a mamã vos dava. Não vão ter festas de Natal ou de aniversário, não vão ter presentes nem vestidos novos. Já lá vão os dias em que, depois de um banho quente à noite, se sentavam à mesa com a mamã para saborear a sua comida boa e simples. Longe vão as camas confortáveis, os cobertores quentes e as roupas lavadas que ela vos arranjava. Ela não vai estar presente para vos contar histórias à noite e responder às vossas muitas perguntas”.
Depois enaltece a figura da mãe. “O que quero que tenham sempre presente é que temos uma mamã corajosa e determinada que ama o seu povo de todo o coração. Quando forem adultas e pensarem bem nas experiências desagradáveis pelas quais a mamã tem passado, vão compreender a importância do seu contributo na luta pela verdade e a justiça.”
E termina com palavras de conforto.
“Não se preocupem, meus amores, um dia a mamã e o papá vão voltar e não serão mais órfãos sem lar. Havemos de viver felizes e em paz. Entretanto, têm de estudar com afinco, passar nos exames e portarem-se como boas meninas. A mamã e eu vamos escrever-vos muitas cartas”.
Em todas as cartas vem ao de cima a firmeza de caráter, a força das convicções, a defesa intransigente da dignidade humana, a resistência ativa à opressão. Sem palavras de ódio ou violência. Sem retaliações nem vinganças. O mais exemplar líder mundial cujo retrato tentei esboçar em “Mandela fala de si” (cf. VP, 25/2/2014).