Mensagem (66): Dignidades

Nos dias que passaram, reivindicou-se, até à exaustão, o «direito» a uma “morte digna”. O que não se ouviu foi a exigência do «dever» de uma “vida digna”. Pois bem: nós, os cristãos, fazemos pátria neste segundo âmbito.

Começou a quaresma. Ao longo de quarenta dias, a Igreja, enquanto tal, e cada um dos seus membros, somos chamados a revisitar-nos e a rever-nos segundo o modelo de Cristo, também Ele tentado no deserto ao longo de igual período. Somos chamados a discernir se o estilo da nossa vida corresponde ao d’Aquele de quem usamos a designação. Se sim, a vida é digna; se não, há que fazer correções. E em religião estas têm um nome: conversão.

Negativamente, a conversão passa pela resistência às insídias do tentador, quase sempre embrulhadas no papel vistoso de uma falsa condescendência, de um assentimento à maneira de ser da sociedade ou de um adiamento das decisões de melhoria. É a vivência do “espírito deste mundo” (1 Cor 2, 12). Pela positiva, consiste na decidida conformação a Jesus Cristo, compreensivo para com os outros, mas determinadíssimo na opção radical por Deus, seu Pai, e pelos irmãos, a quem se dedica completamente.

Só esta determinação gera a liberdade. Encontrámo-la no exemplo do Salvador: não só não se submete à ditadura das pequenas coisas ou do supérfluo como não pactua nem se torna cúmplice com as injustiças que tecem a sociedade. E convida-nos a este discernimento: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 13, 9). É o que chamamos «liberdade interior», plataforma onde assenta uma vida espiritualmente mais aberta ao amor de Deus e ao serviço dos irmãos.

Precisamos de cultivar esta liberdade que, na prática, é libertação. Também em nós acontece o mesmo que se dá na sociedade, pródiga em fraturar, partir a loiça, fazer cacos. E em ambos os casos, lá entra a Igreja: na sociedade, materialmente, socorrendo as vítimas e tentando conter as fraturas; em cada fiel, sacramental e espiritualmente, juntando os pedaços, unindo, colando, para nos tornarmos mais inteiriços, mais íntegros.

Que esta quaresma seja tempo de reunificação da nossa existência, espaço de libertação, correspondência ao único modelo possível: Jesus Cristo. Ou, simplesmente, que a nossa vida seja mais digna.

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