Por Joaquim Armindo
“Flutuam sombras de mim, madeiras mortas. /Mas a estrela nasce sem censura/sobre as mãos deste menino, especialistas/que conquistam as águas e a noite. /Bastar-me-á saber/ que Tu me conheces/ inteiramente, ainda antes dos meus dias.”, poesia referida pelo papa Francisco e que foi escrita pelo bispo D. Pedro Casaldáliga, que traduz em linguagem poética quase toda a exortação apostólica “Querida Amazónia”, recentemente publicada. Estes versos confluem na dialética entre aquilo que Francisco escreveu e aquilo que quereria escrever. Entre o que diz e não diz. É isso, as “madeiras mortas” que flutuam, com uma estrela “sem censura”, nas mãos dos meninos, das águas e das noites, que o Senhor conhece, mesmo antes de escrever. A tonalidade deste poema fornece uma arquitetura de quem crê firmemente que um outro mundo é possível, onde todas as desigualdades sejam desfeitas e os ou as descartáveis não sejam mais colocadas na impossibilidade de dar tudo aquilo que receberam, por causa de leis imaginadas pelos homens no decorrer dos anos e que, às vezes, se querem sobrepor ao Espírito que sopra – e não é demais dizê-lo -, onde quer, como quer e em quem quer.
A substância desta exortação está mesmo solidificada nos vários poemas utilizados, entre os quais o referido, de D. Pedro, que tantas vezes ameaçado de morte, conseguiu levar o povo amazónico ao seu encontro cultural com o Evangelho de Jesus, e isso ninguém o poderá negar. E não será por acaso que o papa Francisco o cita.
Às vezes embrenhados em questões doutrinais como o celibato dos padres ou a ordenação de mulheres – assuntos preocupantes, sem dúvida, a que se deve dar resposta -, não contemplamos o todo do texto agora apresentado a todas as cristãs e todos os cristãos e aos homens de boa vontade. Os sonhos do papa Francisco, o social, o cultural e o ambiental, são de todos nós, humanidade inteira e são estes as peças chave do seu sonho eclesial. Não podem existir deserdados ou deserdadas, excluídos ou excluídas, descartados ou descartadas, deste caminho que todos sonhamos.
Pensando no Reino onde mora o amor de Jesus, vem-me à mente que não há pais, nem mães, nem gregos, nem judeus, nem esposos, nem esposas, nem homens, nem mulheres. Esse Reino é descoberto em cada passo que damos, aqui e agora, nestes tempos e nestes espaços.