
Por Ernesto Campos
“Seja a tua palavra sim, sim, não, não; o mais do que isto vem do maligno.”
Mt 5, 37
Há perguntas éticas fáceis e respostas difíceis; outras nem tanto. Sobre a eutanásia a resposta dos cristãos é fácil – Não matarás; está nos Dez mandamentos e está-nos nas veras da alma. E podemos trocar isto em miúdos e reduzir tudo à sua expressão mais simples, como dizia uma velho amigo, que aliás teve morte sereníssima: 1) Não me matem entes do tempo: 2) não me prolonguem a vida artificialmente e desnecessariamente; 3) poupem-me ao sofrimento; 4) morrer é coisa de cada um e da família e do médico e, eventualmente, do padre; portanto, o Estado que não se meta nisto.
Este ponto 4) já não é de resposta fácil. A Constituição diz o que os deputados – juízes em causa lá própria – lá puseram; a Assembleia da República tem competência para “fazer leis sobre todas as matérias.” Todas? Também sobre as questões de consciência e sobre a vida e a morte? É na mesma Constituição que se prevê o referendo. E não foi pacífico incluir ali a consulta popular a nível nacional, o que veio a acontecer só em sede de revisão constitucional. Os cidadãos “podem ser chamados a pronunciar-se”, mas aí já com restrições de matérias específicas.
Que o Parlamento se ocupe do orçamento e da administração do território e da descentralização e da defesa e proteção, dos negócios estrangeiros e quejandos assuntos, está bem. Mas que reconheça que o Povo está acima da Constituição como que por direito natural; intuímos natural e espontaneamente que a Constituição é apenas instrumento, que carece de ser complementado e sujeito ao veredito do Povo para ser verdadeira expressão da “vontade geral.” Daí a necessidade do referendo em questões como esta que é do foro estritamente pessoal.
Não se trata, pois, de referendar a vida, trata-se de referendar a legitimidade de o Estado poder ou não legislar sobre isto. É questão prévia à de se pensar na eutanásia: até onde pode ir o Estado? A discussão pública que o referendo possibilita servirá para esclarecer as pessoas. A este nível o referendo perde a conotação religiosa para assumir tão-só a dimensão ética civilizacional. Os eleitores não dão ao Estado o poder de lhes meter a mão na consciência. Quem sente que não é apenas cidadão, mesmo num estado laico, não abre mão da sua liberdade interior. O Estado é laico, mas o Povo não é. O direito de ouvir e ser ouvido prevalece sobre a prerrogativa delegada de o Parlamento decidir ora assim ora assado conforme os arranjos políticos negociados à pressa e que podem mudar da noite para o dia.
É por isso que entidades diversas, nomeadamente ordens profissionais, também representativas e ativas na sociedade portuguesa, têm vindo a público defender que o Estado se limite ao que lhe é próprio – o interesse nacional – e deixe ao Povo a esfera dos valores primordiais quando é caso disso como agora. Seria útil inclusivamente socorrer-se do testemunho das várias religiões, que têm, neste caso, bem maior competência ética e moral do que o Estado que se define como amoral e como tal se tem mostrado em vários momentos.
A democracia representativa serve para algumas coisas mas não para outras. Há mais democracia, para além desta, reduzida a um grupo de parlamentares que se põem de pé contra outro grupo que fica sentado.