A Assembleia da República vai apreciar de novo diversas propostas de legislação despenalizadora da chamada eutanásia. Antes da questão política e legal, existe um ponto de vista antropológico e ético ao qual é necessário sempre regressar, em ordem a um debate que não acabará, seja qual for a lei aprovada.
Por Jorge Teixeira da Cunha
A primeira coisa que se pode dizer é que a eutanásia é uma falsa questão. De um modo geral, as razões que se apresentam para mostrar a necessidade de despenalizar a acção de antecipar a morte andam à volta do sofrimento e a dor que acompanham certas formas de morrer. Ora, sabemos que a medicina paliativa tem hoje modos de anestesiar as pessoas moribundas de forma muito eficaz. Estes cuidados finais antecipam o momento da morte mas são reconhecidos como um direito dos moribundos e como uma obrigação do sistema de saúde. Alguns propõem que se chame “ortotanásia” a estes cuidados moralmente obrigatórios. A eutanásia é diferente.
De facto, pode haver algumas pessoas que, por vontade actual ou antecedente, peçam a eutanásia, que se define como acção ou omissão que visa directamente antecipar a morte de um moribundo. Ortotanásia e eutanásia são acções diferentes. Enquanto a primeira é prestada à maioria, parece que não haverá grande número de pedidos de eutanásia propriamente dita. No entanto, a haver despenalização será deste último comportamento.
Em segundo lugar, ocorre voltar sempre de novo à distinção entre despenalização e legalização de um comportamento. A distinção é importante, uma vez que despenalizar pode ser justificado ao passo que legalizar a morte nunca o pode ser segundo a moral cristã. Despenalizar é um procedimento que visa possibilitar a convivência cívica e política numa sociedade pluralista. Mas a despenalização não implica que a acção deixe de ser moralmente proibida. Tem havido um movimento despenalizador aceite pela moral cristã. Hoje ninguém desejaria voltar a penalizar a blasfémia ou o adultério. Mas continuam a ser pecados. Por isso, mesmo que a eutanásia venha a ser despenalizada, não deixará de ser moralmente proibida pela moral cristã.
Em terceiro lugar, podemos tentar resumir aquilo que deve ser, do ponto de vista da teologia moral, a posição dos cristãos perante um problema como a eutanásia. Antes de tudo, deve ser a serena oposição ao sentido moral da eutanásia. Essa posição deve ser motivada por boas razões, proposta com caridade, repetida com paciência e sem ira ou intolerância. A posição dos cristãos deve ser também uma lúcida distinção entre o que são aspectos bárbaros nossa forma de vida (que levam à tentação de praticar a eutanásia) e aquilo que é o crescimento da liberdade.
Este aspecto é de grande actualidade, pois colocar a faculdade de terminar a vida como forma de crescimento da liberdade é uma estranha aproximação de coisas incompatíveis. Por fim, os cristãos devem ter uma grande capacidade de admitir uma hierarquia de verdades. Assim, devem cultivar a unanimidade no repúdio da eutanásia e no esforço por livrar dessa tentação seja quem for.
Mas é justo admitir que pode haver outros cristãos que, mesmo sendo moralmente contra a eutanásia, podem ser favoráveis à sua despenalização jurídica, por boas razões. Este último ponto, ao contrário do primeiro, admite pluralidade de opiniões. Mas é sempre necessário uma iluminação recíproca, com caridade e lucidez.