Quaresma: revalorizar o itinerário batismal

Foto: João Lopes Cardoso

Estamos no Ano A do Leccionário que nos propõe o Batismo – a celebrar, revisitar e viver – como linha de força do itinerário quaresmal.

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

É certo que a maioria de nós recebeu o Batismo na primeira infância. Nunca agradeceremos o bastante aos nossos pais o terem-nos proporcionado o dom inteiramente gratuito desse dia decisivo em que nos tornamos participantes da morte e da ressurreição de Jesus e começou a aventura de nos tornarmos o que somos: discípulos. A nossa conversão é um processo ainda em aberto e temos muito caminho a percorrer até alcançarmos a estatura adulta de Cristo. Por isso importa viver esta Quaresma de 2020 valorizando os seus elementos batismais, que confluirão na Vigília Pascal, a celebração mais importante de todo o ano para a Igreja universal, para cada comunidade cristã e para cada batizado.

Recorda o n. 97 dos Preliminares do Lecionário que os evangelhos propostos nos três domingos da Quaresma mais típicos do Ano A (Samaritana, Cego de nascença e ressurreição de Lázaro, nos 3º, 4º e 5º domingos, respetivamente) são da maior importância relativamente à iniciação cristã.

Somos, pois, convidados a reabrir o Ritual da Celebração da Iniciação Cristã dos Adultos. Cresce o número de adultos não batizados a bater-nos à porta e a quem somos devedores não só do primeiro anúncio do Evangelho, mas também de um itinerário que lhes permita inserirem-se de modo pleno e feliz na vida de Cristo e da Igreja. Verificamos, em simultâneo, que as nossas catequeses são cada vez mais frequentadas por crianças que se preparam para receber os sacramentos da iniciação cristã, ao lado de companheiros da mesma idade já batizados que se preparam para prosseguir o mesmo itinerário com a receção do Crisma e, antes ainda, com a primeira participação sacramental na Eucaristia. Estas caminhadas não devem ser relegadas para uma semiclandestinidade envergonhada.

A Quaresma é um tempo oportuno para «ressuscitar» as celebrações quase esquecidas mas tão marcantes que o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos recomenda: o rito de admissão ao catecumenado (em dia(s) a estabelecer, em função da realidade de cada comunidade), o rito da eleição que idealmente deveria ser presidido pelo Bispo Diocesano (1º Domingo da Quaresma…), a celebração dos Escrutínios nos 3º, 4º e 5º Domingos, as «tradições» ou entregas previstas do Símbolo e da Oração do Senhor, outros ritos pré-batismais…

Cada paróquia ou comunidade celebrante tem a sua própria realidade pastoral e, por isso, há lugar para programações diferentes que poderão variar entre o tudo e o nada das propostas celebrativas e pastorais deste Ritual que tem a cor da esperança. Mas não duvidemos de que toda a comunidade crescerá em consciência batismal ao participar em alguma(s) destas celebrações. E, sobretudo, viverá com renovada verdade a celebração da Páscoa.

Tomando como guia o Leccionário, somos convidados a deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus para um encontro mais intenso com o Senhor repercorrendo as etapas da iniciação cristã. Esta caminhada está facilitada na Quaresma pelo facto de em cada domingo as 3 leituras convergirem numa superior «composição harmónica», em que «as leituras do Antigo Testamento se referem à história da salvação, que é um dos temas próprios da catequese quaresmal» (Leccionário. Preliminares, 97) numa progressão bem ritmada (Adão, Abraão, Moisés, David, Exílio… até Cristo delineado nas feições do Servo de Yaveh) e «as leituras do Apóstolo foram selecionadas de maneira a corresponderem às leituras do Evangelho e do Antigo Testamento e, na medida do possível, a haver entre elas uma adequada conexão» (Leccionário, ibid.).

Este percurso cumprir-se-á no Tríduo Pascal e, particularmente, na «grande Vigília na Noite Santa» em que todos deveremos renovar as promessas batismais e reconfirmar o firme compromisso de ser discípulos de Cristo.

Para que tal aconteça com verdade inteira, importa deitar mão dos meios a que a ascética quaresmal sempre nos convida: jejum, esmola, oração… Não deveria faltar na proposta pastoral das comunidades a possibilidade de celebrar o Sacramento da Penitência ou Reconciliação, entendido na sua relação com o Batismo, nas modalidades aprovadas pela Igreja (o que não exclui a possibilidade de celebrações penitenciais da Palavra que conduzam ao Sacramento sem jamais o dispensar). Deste modo, a Quaresma deve propiciar o encontro pessoal com o nosso Redentor e a redescoberta do nosso próprio Batismo: todos lá nascemos!