Liberalismos

“O Liberalismo é o modo de pensar do mundo moderno”

Stuart Mill, economista s. XIX

Os partidos que na Assembleia da República se reclamam de liberais têm de responder a uma pergunta: Que Liberalismo é esse? É que a palavra apresenta-se tão ambígua como a liberdade, de que deriva. Sendo uma certa maneira de entender o mundo e a vida, neste indefinido – certa – cabem inúmeros significados, até antónimos, e áreas diversas de aplicação desde o comportamento à economia, à política e até à religião e à forma de organização da sociedade e do Estado.

Por Ernesto Campos

Historicamente, já em leis dos gregos e dos romanos é notória a apetência de liberdade com a democracia eletiva ou a representação política dos tribunos da plebe. A burguesia dos fins da Idade Média, organiza-se em corporações e habita as cidades. No plano do pensamento, com a reflexão filosófica e teológica sobre o Estado, e, sobretudo, no humanismo do Renascimento recuperam-se textos clássicos cuja tónica é o homem medida de todas as coisas.

Se, na antiguidade clássica, o Cristianismo veio edificar o homem novo, 1500 anos depois é a descoberta do novo mundo. A expansão para novas terras e novas convivências gera novo modo de pensar e de viver que se exprime em relações de comércio, revolução industrial, economia aberta, reforma religiosa e agitação política e social no velho mundo enquanto no Novo Mundo nascem novos países e novas nacionalidades. Exacerba-se o individualismo com o ego cartesiano, o pessimismo do “homem lobo do homem” mas também a teoria do direito natural e a crença de que o homem pode superar o egoísmo do seu primário estado de natureza e exercer, na sociedade civil, a liberdade conciliando-a com o determinismo instintivo, sob a égide do Estado omnipotente e distribuidor das liberdades cívicas no respeito pela vontade geral.

Todo este historial bem pode chamar-se os preliminares do Liberalismo tal como ele se entendeu desde o século XVIII, com John Locke e Rousseau e as teorias do homem naturalmente bom, da vontade geral e do contrato social.

É neste quadro mental e social que o Liberalismo se alarga ao mundo, revelando, no limite, a ambiguidade de um Liberalismo libertário ou totalitário. Enquanto libertário, baseado na espontaneidade da luta pela vida, tende para o individualismo exacerbado e o anarquismo; enquanto totalitário e assente no contrato social propende para o estatismo e o socialismo; no limite sempre a tirania do mais forte. Ao contrário, a visão cristã da convivência social tenderá para a amizade civil; o outro não é apenas o sócio, o cidadão, é o próximo.

Em Portugal o século XIX trouxe as lutas liberais para liquidação do absolutismo, à moda da revolução francesa, trouxe a independência do Brasil; e  também a abolição da pena de morte, da Inquisição, da tortura e da escravatura. Todavia, não sem graves perturbações sociais e conflitos entre a Igreja e o Estado, corte de relações diplomáticas, expulsão de ordens religiosas, confiscação de bens. Já no século XX com a república, um Liberalismo contratualista, mais estatizante, novas perturbações da vida dos cristãos; com o mérito, porém, do grande impulso dado à educação nomeadamente a nível primário.

Em todo o caso, que Liberalismo, o do século XVIII do qual Leão XIII disse mostrar-se “incapaz de resolver convenientemente a questão social” ou o do século XX reconhecendo-se-lhe, nas palavras de Paulo VI, “aspetos meritórios especialmente na ordem prática”?