O Cinema visto pela Teologia (7): O filme “Uma vida escondida”

Se algum cristão crer que o Cristianismo, enquanto fermento do amor, em vez de inocular beneficamente a massa, deve, na senda da facilidade e do sucesso psicológico e social, diluir-se de modo informe em tal massa, não deve ver o filme “Uma vida escondida”. Ou, melhor ainda, deve vê-lo e revê-lo, respeitando o seu ritmo paciente (a imitar o do sofrimento fruto do amor que dilata psicologicamente o tempo e o compacta espiritualmente), e deixe que ele mude a sua perceção.

Por Alexandre Freire Duarte

Com efeito, este filme, não é apenas uma espantosa obra-prima, repleta de um lirismo sálmico visual extático que externaliza as dilacerações íntimas decorrentes do desejo de fidelidade às exigências, infinitamente libertadoras, do amor. Ele é, por si mesmo, uma notável moldura para se viver uma experiência crístico-pascal. Uma que, envolvendo-nos no mistério da vida escondida de Deus-Amor, denuncia a antes descrita perceção daquilo que é o Cristianismo para os admiradores de Cristo, e mostra que a fé cristã tem no seu centro a Cruz do Trespassado-Ressuscitado que só é vivida pelos Seus seguidores.

Não se pense, assim, que a personagem principal desta obra é o seu protagonista. O protagonista é o amor esponsal de Deus pela humanidade, que se materializa no amor entre tal personagem principal – imagem de Cristo – e a sua esposa – imagem da Igreja. Aquele amor que faz deste filme um sermão na montanha a tender para uma carta de cativeiro onde convergem tanto as dores, dúvidas e perplexidades da humanidade ante a perceção da aparente ausência silenciosa de Deus, quanto a infinitamente real, discreta e co(m)-pacedente Presença transformante do Mesmo.

Cristo viveu para amar até ao ponto de aceitar a morte que Lhe queremos imputar por recusarmos o Amor que, indiretamente, mostra o nosso desamor. Assim, quando Ele nos chama para O seguirmos, é para morrermos (por uma morte que não mata, antes dá a Vida) a tudo o que em nós é apenas esse “nós”. Ocorre que, porém, nós tendemos a fugir disso. Donde, mesmo que nos convençamos que nunca seríamos como os cristãos que se calaram ante, simpatizaram com, e até aderiram a ideologias desumanizantes, será que, face àquela nossa fuga, podemos estar certos disso? Será que, inclusive quando sabemos que vamos atrás de modas brilhantes que só nos encaminham para a rejeição prática de Deus, teremos a humilde coragem de as recusarmos?

Este filme é um hino ao heroísmo da sempre invisível (para o mundano) vida de amor, fé e esperança que, na nossa peregrinação para um Céu que é a nossa verdadeira pátria, todos deveríamos incarnar, sobretudo no cuidado pelos mais vulneráveis. Mas reconheçamos que esse heroísmo perturbará a nossa vida e tantas vezes só poderemos gritar, mesmo que somente pelo silêncio das lágrimas do nosso coração amputado e re-enxertado (e, assim, libertado), “ajuda-nos Senhor”. Aquelas lágrimas que não provirão de querermos abraçar a Deus, mas de, já tendo sido por Ele abraçados, não conseguirmos abraçar a totalidade dessa vida.

(filme “Uma vida escondida”, USA, 2019; dirigido por Terrence Malick, com August Diehl, Valerie Pachner e Maria Simon)