Editorial: Um santo para o século XXI

Sobre o Padre Américo Monteiro de Aguiar

Recentemente, o processo de canonização do Padre Américo conheceu um avanço significativo e muitos esperam que o ambiente do pontificado do Papa Francisco venha a ser favorável à sua conclusão.

Por Jorge Teixeira da Cunha  

Não temos dúvida sobre a validade de um modelo de vida que é inspirador para os novos tempos do cristianismo do presente e do futuro. De facto, a sua biografia mostra-nos algumas características que fazem dele um caso sério de vida em Cristo para hoje e para amanhã.

Se olhamos a sua vida, a sua obra e os seus escritos, descobrimos uma vivência crística e espiritual de uma originalidade que lhe vem de uma sintonia afectiva com a vida filial de Jesus. Este ponto é central na forma da sua santidade. Ele foi de certo modo desadaptado em relação aos modelos vigentes de espiritualidade e de sacerdócio do seu tempo. Mas isso é a sua vantagem e não o seu defeito.

Foi-lhe dado viver uma experiência mística de adjacência à realidade divina, que estava muito à frente dos modelos do seu tempo. Isso é a explicação para alguns factos da sua vida. De uma aguda inteligência, teve dificuldade em ser admitido ao seminário e em fazer o curso de teologia que lhe ministraram; franciscano de alma e coração, não singrou na ordem de S. Francisco; sacerdote segundo o coração de Cristo, foi mais reconhecido pelo mundo laico do que pela maioria dos seus colegas e dos seus superiores.

A sua mística foi uma pura acção caritativa antes de ser uma representação doutrinal. Daí a sua sintonia com os mais pobres dos pobres. Nessa região existencial, ele encontra o Cristo iniciador do mundo à criação e à redenção. É por isso que encontra os pobres que, no fundo do seu desamparo, começam o processo da fé e de crescimento e de abertura ao Reino e à bem-aventurança.

O nascimento das suas obras obedece a esta lógica profunda que é a lógica da própria vida. O seu mundo inova a instituição eclesial desde a base, dando forma à génese da comunidade desde esse lugar em que a realidade nasce da páscoa de Cristo em sujeitos novos pelo baptismo, mais do que da perpetuação histórica da velha instituição e da fórmula doutrinal imutável.

É por tudo isto que, a nosso ver, a santidade do Padre Américo é algo cheio de actualidade e cheio de futuro. A seu modo, foi-lhe dado viver o anseio de renovação que vinha desde os começos da Idade Moderna. Ele é um cristão para os tempos novos, esses tais em que o cristão viverá da mística de Jesus, essa experiência em que do sujeito verdadeiramente começa, mais do que da conformidade com um modelo de vida visível, objectiva e institucional. Não é necessário fazer muito esforço para o ver como um modelo para a Igreja em saída ou para a Igreja tenda de campanha de que fala o Papa Francisco.

Se vivesse hoje, o Padre Américo talvez tivesse pensado de forma diferente as suas obras de caridade. Mas esse não é o ponto. O mais importante é esperar que que a sua canonização tenha lugar pois, seguramente, ela terá o efeito de revitalizar o nosso cristianismo um pouco esgotado e de inspirar novas vias de actualidade da missão para os dias que correm.