Um ano para lembrar e apreciar Beethoven

Foto: Hulton Archive/Getty Images

Como uma das maiores figuras de compositor musical de todos os tempos é unanimemente reconhecido Ludwig van Beethoven (1770-1827).

Por M. Correia Fernandes 

Nascido na cidade de Bonn, em data não rigorosamente registada, foi no entanto batizado na igreja da paróquia católica de S. Remígio naquela cidade em 17 de dezembro de 1770. Como era usual então, seria criança. Neste ano de 2020 se recordam pois os 250 anos do nascimento. Seu pai chamava-se Johann e a mãe Maria Magdalena. Herdou o nome do avô, de origem flamenga. O pai foi cantor e mestre capela (Kapelmeister) em Bona. Nascia pois num meio em que a música desempenhava uma centralidade digna de nota, e desde cedo revelou grandes qualidades como organista e instrumentista, sendo mesmo considerado menino prodígio, não tanto certamente como fora Mozart (1756-1791), umas duas décadas antes.

As influências de J. S. Bach, e F. J. Haydn constituíram base da sua formação e aperfeiçoamento musical. Que o levaram muito cedo a redigir as suas primeiras composições, e sonatas para piano publicadas em 1783. Já embalado pelo prestígio, viajou para Viena de Áustria em 1786, onde estabeleceu contactos com aquele celebrado meio musical, tendo mantido encontros com Haydn (1932-1809) e Mozart, o que o levou à continuidade da composição (quartetos de cordas e primeiras sinfonias). Terá dito Mozart, que nessa altura com cerca de trinta anos, “tenham atenção a este jovem, um dia o mundo falará dele”. Surgiram entretanto os primeiros concertos para piano e a oratória Cristo no Monte das Oliveiras, e a Sonata “patética”, como lhe chamou, significando “emocional” ou “apaixonada” (como designou depois outra das suas sonatas, appassionata), bem como as primeiras sinfonias. Foi aqui em Viena que se foi apercebendo de uma progressiva surdez, que não o impediu, antes estimulou a composição das mais celebradas sinfonias. Surgem as obras mestras, a partir de 1808, incluindo a revisão da sua única ópera “Fidelio”, apresentada em 1814, com reconhecido êxito. Continua a escrever, apesar da surdez. Em 1823 completa a Missa solemnis em Ré maior, bem como a Nona Sinfonia, “coral”. Em 1827 foi acometido de hidropisia e pneumonia, que o conduz à morte em março de 1827, tendo o seu funeral merecido a participação de mais de dez mil pessoas (ao contrário do de Mozart, que apenas reuniu, em dia tempestuoso, meia dúzia de conhecidos). Contava 56 anos.

Notas sobre algumas das suas obras

Costuma considerar-se a existência de três períodos na composição de Beethoven. O primeiro, a partir da sua chegada a Viena (haveria no entanto algo de prévio), com a introdução da nova forma da sonata em quatro andamentos e de construção mais livre, segundo a influência do espírito romântico que então se afirmava, do valor da criação individual, da valorização da emoção e originalidade criadora. Um segundo período, após o reconhecimento da sua surdez, que o levou a construir um “estilo heroico”, expresso sobretudo na terceira sinfonia, que chamou “Heroica”, considerando um novo “ideal sinfónico” que procurou imprimir às suas composições, como o concerto para piano “Imperador” e as composições sinfónicas seguintes, que integram a considerada terceira fase da sua obra. Nela sobressaem as mais elaboradas obras, como a Missa Solemnis e a Nona sinfonia, em que introduziu a expressão coral até então não usada na sinfonia.

Seja-nos permitido salientar três das suas sinfonias: a sinfonia nº 5, a sinfonia nº 6, “pastoral”, a sinfonia nº 9, “coral”, considerada a sua obra definitiva e uma das mais emblemáticas de toda a história da música, e a Missa solemnis em ré maior, a aplicação das dimensões românticas de originalidade e criatividade pessoal ao universo dos textos litúrgicos.

A quinta sinfonia foi concluída por volta de 1808. Apresentada originalmente no Teatro de Viena nessa data, tornou-se uma das suas obras frequentemente apresentada em concertos por todo o mundo. Os seus quatro andamentos partem desde o tema ternário inicial até a uma marcha fúnebre faustosa e uma conclusão solene e meditativa.

A sexta sinfonia tem um tema que pode ser bem atual: pretendeu constituir um comentário musical do sentido e impressão da natureza. Nela, ao longo dos quatro andamentos, se podem sentir os rios, os ventos e a tempestade, a partir de um tema de grande simplicidade formal, terminando com um hino de ação de graças dos pastores após a tempestade.

A Nona sinfonia é considerada obra definitiva do autor. Após três andamentos (allegro, vivace e adagio), o quarto andamento, que começa com uma exposição rítmica que recorda os anteriores, explana depois o conhecido tema que introduz a “Ode à Alegria”, apresentada pelo Baixo, com palavras do poeta tido como iniciador do romantismo, Friedrich Schiller (1759-1805): “Amigos, deixemos este som, entoemos algo repleto de alegria”, proposto como prenúncio de um universal sentido fraterno. O diálogo entre o solista proponente (baixo) após a conhecida melodia exposta nas cordas, é continuado pelo coro e repetir-se-á com novas formulações ao longo de todo o andamento, concluindo com um final arrebatador de todo o coro e orquestra.

A Missa solene em ré maior, seguindo tantos nobres modelos de tratamento do texto litúrgico da missa em latim (lembremos a Missa em si menos de Bach e a Missa em dó menor de Mozart), procura dar-lhe a densidade e a solenidade que o espírito da mensagem e da criatividade musical romântica lhe conferem, valorizando a expressividade de solistas, coro e interpretação orquestral.

Tal como a nona sinfonia, a Missa foi completada em 1923, já em tempo definitivo da sua surdez. Mas como ele disse, a música estava dentro da sua alma, e veio ao encontro da comunidade humana como mensagem de busca de sentido humanista e fraterno.

Contabilizam-se cerca de 400 obras de Beethoven. As sinfonias, obras acabadas, são apenas 9. Dos seus contemporâneos, Mozart escreveu 41, e Haydn 104. Mas a dimensão e profundidade que lhes deu inspiraram outros mestres, como o seu contemporâneo Schubert (1797-1828), ou posteriores como A. Bruckner (1824-1896), que também escreveram 9 sinfonias, ou Gustav Mahler (1860-1911), 10 sinfonias, das quais a 2, “da ressurreição”, e a 8 são também corais, que deram à sinfonia novas dimensões. Hoje a sinfonia é uma das formas mais nobres e reconhecidas pela História.

Escrevemos esta resenha para alertar os leitores para a grandiosidade de um autor (entre tantos outros) que trouxe à expressão musical uma grandeza e dignidade que valoriza a arte e dá sentido mais pleno à Humanidade. Muitas iniciativas se perfilarão ao longo do ano. Que elas inspirem a Humanidade a seguir pela beleza até à grande Bondade salvadora.