Martin Scorsese fala do seu filme “O Irlandês”

Voz Portucalense publicou em 11 de dezembro de 2019 uma reflexão sobre o filme “Irlandês”, da Martin Scorsese, assinada por Alexandre Freire Duarte.

Recordamos agora declarações oportunas do autor do filme sobre o sentido da vida e da fé que o motivam. Em entrevista dada ao P. Antonio Spadaro, a propósito do filme anterior, “Silêncio”, Scorsese revelou ser «obcecado pela espiritualidade», ou seja, pela pergunta sobre o que somos nós, seres humanos. Questão que, segundo ele, obriga cada um de nós olhar-se de frente, próximo, a olhar o bem e o mal que há dentro de nós. E recorda o seu diálogo com o Papa Francisco.

“Retenho que o caminho de Cristo é a única coisa que torna possível a nossa sobrevivência. É o único caminho que entrevejo para que a humanidade – todo o grande organismo da humanidade – possa efetivamente mudar e evoluir, distanciando-se do aniquilamento. Entendo isto não em sentido cultural, mas espiritual. O facto é que há o ir à igreja é há o caminho de Cristo. Não se trata necessariamente da mesma coisa, como todos sabemos. E creio que a confissão é um dos instrumentos espirituais mais poderosos de que a Igreja dispõe. É um exame autêntico daquilo que és, de todas as tuas dúvidas, os teus medos e as tuas transgressões, e o próprio ato da confissão abre a porta a tentar de novo, a ter uma outra possibilidade. Mesmo se não recebes a absolvição, abriste a porta.

Para voltar ao filme, a pergunta para alguém como Frank é: é possível mudar? É uma pergunta imensa. Podes deixar essa vida, uma vida baseada no pecado, na transgressão crónica de todos os dez mandamentos? Para poder viver assim, tens de ser alguém muito treinado a remover o olhar de ti mesmo…

O tema da misericórdia faz-me pensar no livro “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos, cuja leitura, para si, foi a revelação do rosto misericordioso do Deus cristão. E, obviamente, faz-me pensar no papa Francisco…

Quando penso no papa Francisco, tenho de dizer que a primeira palavra que me vem à ideia é compaixão. Lês as palavras do santo padre, encontras-te com ele face a face, e dás-te conta de que é um homem que vê o fundamento espiritual da Igreja.

A Igreja católica é uma instituição vasta, é uma tradição, é um empreendimento, uma organização enorme. Mas na sua essência não é uma questão de negócios humanos ou mundanos, mas uma questão do espírito. É esta a pedra, o fundamento, a prática e a sequela viva do exemplo de Cristo. O papa Francisco está a repeti-lo, e pede que o reconheçamos. Considero extraordinário que este homem seja o nosso papa. É uma bênção. E considero uma bênção tê-lo encontrado.

De um texto do jornalista Andrea Monda,

publicado no Osservatore Romano, tradução de Rui Jorge Martins.