Mensagem (62): Ecumenismo

O povo soube cristalizar em ditados e aforismos muita sabedoria histórica e filosofia comprovadamente certeira. Um deles, que parece desprimoroso nos termos, é, entretanto, pleno de verdade e oportunidade. Refiro-me a este: “Só não muda quem é burro”.

Assim acontece com o que chamamos ecumenismo. Em 1928, Pio XI –por sinal, um Papa absolutamente extraordinário- na encíclica Mortalium animos, referia-se a ele como “enorme profanação da fé”. Porém, menos de quatro décadas depois, em 1965, o Concílio Vaticano II atribui-o “ao sopro da graça do Espírito Santo” (UR 4). Em 1943, um outro documento definia os nossos irmãos evangélicos como “hereges e pagãos”. Mas o já citado documento sobre o ecumenismo refere expressamente que também a eles “pertence o honroso nome de cristãos e com razão são reconhecidos como irmãos no Senhor pelos filhos da Igreja católica” (UR 3).

Mudança de perspetiva? Inegavelmente. E graças a Deus. A Igreja confrontou-se com a sua história. E viu que, desde o princípio, a unidade pela qual Jesus rezava na “Oração sacerdotal”, é algo de muito ténue e periclitante. O que motivou frequentes divisões: as objeções teológicas levaram às velhas Igrejas orientais, nos séculos IV e V; a questão do primado romano gerou a fratura ortodoxa (1054); as teses sobre a identidade da Igreja conduziram à reforma luterana; o anonimato das grandes assembleias favoreceu o aparecimento de famílias cristãs, a partir do século XVII.

Ora, quando há divisão, o que se espera é que as pessoas saibam respeitar-se e, se possível, dialogar. Nós já passamos a primeira fase, pois o respeito mútuo –muito mais que a tolerância- é um dado adquirido. Então, o que se impõe, hoje, é o diálogo. Que supõe três atitudes: colocarmo-nos todos no mesmo plano de igualdade; certeza de que as diferentes tradições possuem sempre algo que pode enriquecer as outras; aspirar a uma comunhão respeitadora das diversidades.

O grande teólogo que foi o P. Chenu dizia que mesmo o diálogo possui os seus pré-requisitos. Fundamentalmente, que ele seja autocrítico: só uma purificação da memória e dos conceitos permitirá dar relevo à própria identidade, colocarmo-nos em questão e abrir-nos à compreensão das razões do outro.

Façamo-lo pelos outros e por nós: quanto mais sintonizarmos com as razões alheias, mais aptos estaremos para patentear a identidade que nos constitui.

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