Domingo da Palavra de Deus

O Papa Francisco tornou pública uma Carta Apostólica sob a forma de motu proprioAperuit illis – pela qual instituiu o Domingo da Palavra de Deus. Será no III Domingo do Tempo Comum, neste ano a 26 de janeiro. Esta ideia já tinha sido apresentada à Igreja, no termo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, na Carta Apostólica Misericordia et Misera (n. 7).

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Cada comunidade encontrará a melhor «forma de viver este Domingo como um dia solene» (Aperuit illis, 3). Francisco faz várias sugestões, como a de «entronizar o texto sagrado», «colocar em evidência a sua proclamação e adaptar a homilia» (Ibid.). Eis uma oportunidade para colocar de forma mais expressa no foco da nossa atenção uma das grandes aquisições do II Concílio do Vaticano: «A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo» (Dei Verbum, 21).

A propósito da sugerida entronização, recordamos que a Igreja a propõe de forma habitual na celebração eucarística. De facto, está previsto que o livro dos Evangelhos seja levado processionalmente na Procissão de entrada e colocado no altar (IGMR 117, 120, 122, 172, 173, 194, 195, 306). Haverá trono mais excelso? É do altar que o diácono ou, na sua falta, o presbítero, o toma para o levar elevado, entre luzes e incenso e ao canto de aclamações, para o ambão de onde se faz a sua leitura por todos escutada com reverência (IGMR 44, 60, 133, 175). A mesma IGMR prevê que, após a proclamação do Evangelho e a subsequente veneração do evangeliário (beijo!), este seja «levado para a credência ou para outro lugar adequado e digno» (175): eis um ponto em que, sem dúvida, podemos melhorar na organização do espaço das nossas igrejas.

Sobre esta entronização dominical do evangeliário, recomendamos as preciosas mistagogias de Goffredo Boselli numa obra recentemente publicada pelo Secretariado Nacional de Liturgia: O Sentido Espiritual da Liturgia (Fátima, dezembro de 2019). Como aperitivo, aqui transcrevemos duas provas:

«Nas sinaxes [assembleias] eucarísticas mais solenes, a liturgia romana inclui o gesto de deixar o evangeliário sobre o altar; é um gesto de grande significado, mas que habitualmente passa despercebido e, por isso, permanece mudo e incompreendido. No início da liturgia, o evangeliário é levado solenemente e, num grande gesto de ostensão, atravessa toda a assembleia, até chegar ao altar, o coração da assembleia. O evangeliário deixado em cima do altar é verdadeiramente epifania do mistério, o mistério da palavra de Deus que, atravessando a existência do povo de Israel, encontra a sua realização na avodà, ou seja, no serviço cultual prestado a Deus. Este serviço cultual, porém, não é o ponto de chegada da palavra de Deus, mas sim o lugar da “passagem” de Deus pelo meio do seu povo, que tende a apossar-se da vida inteira dos filhos de Israel, para que ela se torne o verdadeiro culto de Deus» (pág. 33).

«Ao colocar, no início da liturgia, o evangeliário no centro do altar, livre então de qualquer outro objecto, a Igreja reconhece e concede ao livro dos evangelhos a mesma dignidade dos dons eucarísticos. Sobre o altar, o evangeliário tem o mesmo lugar da Eucaristia, pelo que o livro do evangelho não é apenas um objecto do culto, mas igualmente objecto de culto. A colocação do evangeliário sobre o altar é o primeiro acto litúrgico que realiza uma figura de intenso significado teológico, reivindicada pelo Concílio: o cristão alimenta-se “do pão da vida, tanto da mesa da palavra de Deus como do corpo de Cristo” [DV 21]. Recorde-se que nas liturgias orientais o altar é o lugar onde o livro dos evangelhos é colocado permanentemente, mesmo fora das celebrações.

Que mistério da fé está contido no acto de tomar o evangeliário do altar? Assim como o pão e o vinho eucarísticos se vão buscar ao altar para que os fiéis se alimentem do corpo de Cristo, assim também o evangelho é tirado do altar para que os fiéis se sustentem com a palavra de Cristo. … Por conseguinte, o evangeliário tira-se do altar para afiançar a escuta e a manducação eucarística da palavra de Deus» (pág. 92-93).