O Natal já é Páscoa!

«Qual é mais importante: a Páscoa ou o Natal?» – Eis uma pergunta com pouco sentido porque Natal e Páscoa são indissociáveis. A Páscoa de Cristo é o ponto de chegada do Seu Natal, como Ele próprio declarou no processo perante as autoridades romanas: «para isto nasci e vim ao mundo!» (Jo 18, 37).

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Os discípulos do Crucificado-Ressuscitado começaram por celebrar o seu mistério pascal. Era o que estava no foco da sua atenção muito antes de uma natural curiosidade os levar a investigar as origens do Mestre. Assim, o conteúdo do primeiro «kerigma» – anúncio feito aos contemporâneos dos acontecimentos – focava-se inteiramente no mistério da redenção: «o Crucificado está vivo! Ressuscitou! Só n’Ele há Salvação! Convertei-vos a Ele, arrependei-vos dos vossos pecados, recebei o Batismo em Seu Nome para receber o Seu Espírito». E os convertidos que acolhiam este anúncio iam-se agregando à Santa Igreja…

Olhando para a história da Liturgia confirma-se que a festa primordial é o Domingo: remonta ao próprio dia da Ressurreição do Senhor. Nele, mediante o memorial eucarístico, celebramos a Páscoa ao ritmo de cada semana: «Anunciamos, Senhor, a Vossa morte, proclamamos a Vossa ressurreição» Cronologicamente, seguiu-se de perto a celebração anual cristã da Páscoa. Não é de excluir que, quando Paulo em 1 Cor 5, 8 exorta a «celebrar a festa com os ázimos da pureza e da verdade», se tratasse já de uma celebração pascal cristã distinta da Páscoa anual dos judeus: o cordeiro ritual do antigo êxodo já cedera o seu lugar ao «nosso cordeiro pascal (nossa «Páscoa») imolado que é Cristo!» (1 Cor 5, 7). Na literatura cristã do século II a celebração cristã da Páscoa anual é um facto.

A celebração litúrgica do Natal a 25 de dezembro demorou mais tempo a afirmar-se. Em Roma esta festividade está documentada no Cronógrafo Filocaliano (ano 336). Noutras regiões do Império Romano (Norte de África) a prática terá começado algumas décadas mais cedo, antes mesmo da instituição a 25 de dezembro (então data oficial do solstício do Inverno) da festividade pagã do «Natal do Sol invencível», no ano 274, pelo Imperador Aureliano.

A posterioridade da celebração do Natal em relação à Páscoa é compreensível. A redação dos Evangelhos seguiu um desenvolvimento paralelo: primeiro fixaram-se os narrações da Paixão, coroados com os relatos das aparições do Ressuscitado; num segundo momento, recuperou-se para o Evangelho a memória do que Jesus disse e fez, depois do Batismo que João pregou (por aí ficou o Evangelho de São Marcos, o mais antigo); só mais tarde é que o interesse dos crentes e as necessidades da catequese se debruçaram sobre o nascimento e a infância de Jesus (Mateus e Lucas). E o Evangelho de São João vai mesmo mais longe, sondando o «princípio» em que o Verbo, pelo qual tudo foi criado, era Deus, voltado para o seio do Pai.

O início do século IV foi conturbado com a difusão do «arianismo», heresia que negava que o Filho de Deus fosse eterno com o Pai e o Espírito Santo, «Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai». Foi necessário que a Igreja se reunisse no 1º Concílio Ecuménico da sua história (Niceia, ano 325) para esclarecer esses pontos centrais e decisivos da fé que, até então, nunca tinham sido questionados e, por isso, também não tinham sido objeto de especial aprofundamento doutrinal. O mistério da Santíssima Trindade e o mistério da Incarnação passaram então a estar focados de forma explícita no horizonte dos crentes. E, em atenção ao nexo indissociável que existe entre a «lex credendi» (o Credo) e a «lex orandi» (a Liturgia), as comunidades cristãs passaram a dar grande importância a festividades e celebrações que pusessem em realce o mistério do Verbo que se fez carne para habitar entre nós. Compreende-se, assim, a importância adquirida pelas solenidades do Natal e da Epifania.

Para a Liturgia, o Natal já é Páscoa: festa da Luz que veio ao mundo! «Pelo mistério do Verbo Incarnado nova Luz da glória divina brilhou sobre nós». Por isso poderemos cantar na Páscoa os louvores do novo círio e cantar: «A Luz de Cristo! – Graças a Deus!».