Editorial: Uma meditação para um Natal que anuncia a terceira década do século XXI

No primeiro Natal, no íntimo de uma gruta em que se acolhiam animais e gentes, uma criança chorou, congregaram-se pastores, ouviram-se cantos. A vida quotidiana era simples e as pessoas de alma simples souberam ler os sinais e descobriram o Mistério. São sempre as pessoas simples as que sabem descobrir o Mistério. As pessoas complexas julgam-se elas o centro da vida que lhes passa ao lado, edificam os seus ídolos e vácuos palácios, embrenham-se em universos endinheirados e passam sempre ao lado do essencial.

Por M. Correia Fernandes

Nesse Natal, um Menino nos nasceu e um Filho nos foi dado. Era franzino e pobre, mas trazia o diadema da paz e a semente que anunciava um mundo novo.

Os que o rodeavam olharam-no com a interrogação dos que buscam a verdade; não entenderam tudo, mas tinham um coração largo e liberto. Só o coração liberto é capaz de compreender; o nessencialé invisível aos olhos.

Este Natal anuncia a terceira década do século XXI. Muitas coisas nele serão tão comuns e vulgares como as dos anos passados e de outros vindouros. O sol não deixará de brilhar e aquecer e a lua continuará a dar a sua luz, para além de toda a curiosidade dos homens sobre o andar da natureza. Os dias persistirão na sua sucessão inevitável, ao ritmo antigo da rotação da terra.

Homens e mulheres continuarão a negociar, a inventar, a projetar, a construir e a destruir, e mesmo a amar; mas (ai de nós!)também a odiar, e destrutir e a matar, e a interrogar-se depois sobre o sentido da vida que vão destruindo.

A simplicidade do quotidiano continuará carregada de mistério. Oxalá soubéssemos descobrir os mistérios do quotidiano: das crianças que nascem, das pessoas que morrem, da violência sobre os inocentes, da azáfama inconsequente com que continuamos a povoar os dias, da vacuidade das nossas ambições e dos nossos fantasmas.

Este Natal ainda viveremos os conflitos e as ameaças de guerras absurdas e orgulhosas dos poderosos e dos que ambicionam ser. Neste Natal florescerão os negócios dos hipermercados e as mensagens de boas festas em todos os suportes; as festas trarão sorrisos efémeros aos rostos das crianças e enchem-se os hotéis para comemorações natalícias. Neste Natal faltará para muitos o pão, e o amor que faz mais falta que o pão. Neste Natal, muitos viverão na opulência e uma multidão na pobreza. Para todos eles aconteceu o primeiro Natal.

Não se sabe quando Jesus, que se chama o Cristo, nasceu: o tempo corria entre os dedos rugosos das mãos e o sol de cada dia.

Neste Natal, sabemos que Jesus quer nascer de novo, e que no coração de uma multidão incontável de homens e mulheres Ele será sempre um sinal de esperança; esperança de que as lanças se transformam em arados, não se levante nação contra nação nem povo contra povo, nem pessoa humana contra a sua semelhante. A esperança de que para todos seja possível alimentar o corpo e o espírito com o trabalho do espírito, das mãos e do coração; e com ele se edifique um tempo justo.

A esperança de que possamos ver em cada homem ou mulher um irmão; de que em cada espírito e em cada coração brilhe a luz que vivifica e salva; a esperança de que em cada um deles floresça definitivamente o dom de Deus.