Entre os símbolos inspirados pelo Nascimento de Cristo, dois se distinguem: a Senhora do Ó, que representa os últimos dias da expectativa do nascimento (em torno das antífonas que se proclamam de 17 a 25 de dezembro e que deram origem a belas esculturas da Senhora; e a Árvore da Jessé, que procura interpretar a genealogia de Jesus, “Filho de David, filho de Abraão” (Mateus, 1,1).
Por M. Correia Fernandes
Fundamentos e s sentidos da Árvore de Jessé
A Árvore de Jessé é uma representação tradicional da genealogia de Jesus, a partir das narrativas bíblicas. Desde a Idade Média que os artistas, na esteira da doutrinação bíblica e litúrgica que lhes era transmitida, elaboraram numerosas formas de representar a genealogia, como processo de transmissão do conhecimento bíblico orientado para a figura de Jesus.
As representações da Árvore de Jessé podem ter duas origens
- A genealogia de Jesus em S. Mateus (cap. 1 ) e S. Lucas (cap.3).
Ambos apresentam a genealogia até Jesus, que tinha “cerca de trinta anos”, tido por filho de José” (diz Lucas), ou ”Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo” (diz Mateus).
A genealogia de Lucas surge em sentido ascendente (de José para David, filho de Jessé), e vai até Adão. Jessé pertencia à tribo de Judá, e David foi o filho mais novo dos oito de Jessé, designado pelo profeta Samuel: “O Senhor disse: unge-o, é ele, e a partir daquele momento o espírito do Senhor apoderou-se de David” (I Samuel, 16 12).
A genealogia de Mateus começa em Abraão e ordena-se em 3 conjuntos de 14 gerações:
de Abraão até David; de David até à deportação para a Babilónia; depois da deportação da Babilónia até José e Jesus.
- A profecia de Isaías, cap. 11: “Um rebento sairá do tronco de Jessé e das suas raízes sairá um renovo que dará fruto”. “Sore ele repousará, o espírito do Senhor”, “espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor ao Senhor. A justiça será como o cinto dos seus rins e a lealdade circundará os seus flancos”. (Isaías, 11,1-5).
O facto de ter entrado na designação tradicional de “Árvore de Jessé” deve resultar da centralidade de David, a partir de quem se instaurou o Reino de Israel. David surge em toda a Escritura como Rei, como condutor do povo, como autor dos salmos e como pilar de referência e segurança para Israel. Nesse universo a árvore adquire um significado ao mesmo tempo bíblico (povo de Israel) e salvífico (orientação para Cristo, o Messias).
Entre as numerosas representações da árvore de Jessé sobressaem duas na diocese do Porto: a da igreja de S. Francisco e a da igreja do Senhor Jesus de Matosinhos.
1.A Árvore de Jessé na igreja de S. Francisco
A Árvore de Jessé existente na ala direita da igreja de S. Francisco, integrada na talha barroca da igreja, esculpida em madeira cromada, é formada por doze imagens dos reis de Judá que, de pé, se apoiam nas ramificações de um tronco que sobe do corpo deitado de Jessé. A obra é encimada por uma escultura da Virgem e o menino, precedida pela figura evangélica de S. José. A obra, adaptada de uma anterior, é da autoria de Filipe da Silva e António Gomes.
2.No Senhor Jesus de Matosinhos
A árvore de Jessé da igreja do Senhor Jesus de Matosinhos, também constituída por esculturas, parte de Jessé adormecido, em decúbito dorsal, e do tronco surgem 12 figuras, (representando reis?, profetas, ou os apóstolos?). Termina numa imagem de Maria, com o Menino, ladeada por dois anjos e sobre a qual se eleva uma espécie de sacrário, encimando por um baldaquino.
Outros exemplos
Entre a multiplicidade de representações, podemos encontrar uma Árvore de Jessé em Sacaparte, Sabugal. Nesta representação de cariz visivelmente popular, Jessé deitado exibe uma espécie de tiara e os ramos da árvore apresentam figuras de oito reis, terminando em Maria com o Menino, ambos com uma auréola.
Uma escultura, datada de 1622, apresenta a figura deitada de Jessé, também adormecido, sobre a qual se eleva a figura de Maria, com o menino segurando um globo. As figuras envolventes serão igualmente figuras reais, incluindo na parte mais alta os Magos. Uma outra representação, do século XVI, situada dentro de um nicho envolvente, apresenta 12 figuras (apóstolos?) ladeando Maria com o menino e coroada por dois anjos sob um baldaquino. Um vitral na catedral de Moulins, França, apresenta uma construção mais complexa: Jessé está sentado, tendo na parte superior oi rei David e constituído por um tríptico cujas figuras desembocam em Maria com o menino, ladeada por figuras de profetas.
Uma teoria recente identifica a figura masculina que aparece por baixo do peitoril da conhecida janela do Convento de Cristo em Tomar como sendo Jessé, de chapéu e barba, segurando as raízes da sua árvore genealógica com as mãos, tendo sobre ele a imagem da Senhora com o Menino. Seria pois uma representação diferente, passando a árvore de agente a objeto da revelação.
Pode por isso afirmar-se que os três principais motivos representados na árvore de Jessé são a raiz, o tronco e a flor, partindo de Jessé para José/Maria e Jesus Cristo. O caráter humano de Jesus é apresentado pelos antepassados naturais. Representando Jesus como membro de um povo, Israel, a sua figura é projetada da natureza humana para a missão redentora, com a representação do Menino Jesus, a mãe Maria, por vezes com Jesus no colo e por vezes com a figura da Trindade.
Na temática dos tempo modernos, a árvore pode apontar para o papel da natureza, da qual nasce a Humanidade e a Salvação, realizando a promessa do Génesis, segundo a palavra de Isaias:
«Brotará uma vara do tronco de Jessé
e um rebento brotará das suas raízes.
Sobre Ele repousará o Espírito do Senhor.
Espírito de sabedoria e de entendimento,
Espírito de Conselho e Fortaleza,
o espírito de conhecimento e de temor do Senhor. (Isaías 11)