
O Venerável Padre Américo, conhecido por Pai Américo, é uma figura cimeira da Igreja em Portugal no século XX. Foi um grande educador português, gigante da caridade, místico do nosso tempo, artista da palavra e precursor do II Concílio do Vaticano.
Do berço a África
O seu nome completo é Américo Monteiro de Aguiar, nasceu a 23 de Outubro de 1887, em Galegos (Penafiel), filho de Ramiro Monteiro de Aguiar e Teresa Ferreira Rodrigues, sendo o último de oito irmãos. Foi batizado a 4 de Novembro desse ano, com o nome do Bispo da Diocese, Cardeal D. Américo, na igreja paroquial; onde fez também a Primeira Comunhão. Desde pequenino, foi tocado por uma grande inquietação: revelar Cristo. E, assim, viveu como Jesus manda: Sempre que fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizeste. Na sua vocação à santidade, o Amériquinho do Bairro reconheceu: o Pobre é a minha glória. Por ele sou conhecido e naturalmente amado. Nasci com esta devoção. Fez a 4.ª classe no Colégio do Carmo, em Penafiel; e seguiu para o Colégio vicentino de Santa Quitéria, em Felgueiras. A 1 de Junho de 1902, sua mãe, em carta ao filho mais velho, Padre José, Missionário no Oriente, escreveu que o Américo tem muita vontade de ser Padre. Contudo, seu pai não o achou com feitio para tal. Com 15 anos, foi para uma loja de ferragens, perto do Seminário da Sé, no Porto. Foi crismado na Sé Catedral do Porto, pelo Bispo D. António Barroso. Depois, partiu para Moçambique, onde trabalhou 16 anos, no Chinde e em Lourenço Marques. Foi repartindo com os pobres e teve de lutar com a Graça. Aos 36 anos, regressou a Portugal, estimulado pelo franciscano D. Rafael da Assunção, que lhe abriu o Caminho da Luz.
Caminho da Luz
Em Lisboa, em 1923 sofreu uma derradeira martelada, forte, segundo afirmou, que o levou ao Convento franciscano de Vilariño de la Ramallosa, apaixonado pelo Pobrezinho de Assis. Incorrigível na Caridade, acabou por ser recebido tardiamente, no Seminário de Coimbra, em 3 de Outubro de 1925, chamado e conduzido pelo Bom Pastor. Em Outubro de 1928, fez por escrito ao seu Bispo os votos de pobreza e de obediência. Na sua formação presbiteral, desenvolveu também o culto do Pobre. Foi o Bispo D. Manuel Luís Coelho da Silva que lhe impôs as mãos a 28 de Julho de 1929, aos 41 anos, deixando-o admirado com esta maravilha de Deus: Padre Américo! Não teve tempo de perder mais tempo, conforme reconheceu. Depois, foi Prefeito e Professor do Seminário de Coimbra.
Ao Serviço dos Pobres
Enfermo com dores de cabeça, chegou a pedir a readmissão à Ordem dos Frades Menores. Contudo, acabou por pedir ao seu Bispo licença para se dar à visita de Pobres, acertando com a cura: Um padrezinho da cidade de Coimbra pediu e obteve licença do seu Prelado para visitar pobres e cuidar deles, dentro de suas próprias habitações, para melhor conhecer seus nomes e mais eficazmente os servir. Confiou-lhe a Sopa dos Pobres, na Rua da Matemática, no dia de S. José de 1932.
Tido por imprudente, foi denunciado ao seu Bispo, que não se manifestou. Pela sua atuação entre os doentes, nos hospitais e sanatórios, tomaram-no por indesejável e pediram ao Prelado que o desterrasse, o que foi ignorado. Pelas suas inconveniências, foi mandado retirar de membro atuante no Patronato das Prisões, pelo Ministro da Justiça. A Caridade faz sangue e cura feridas! Sob o sinal da Cruz, suou sangue: foi sovado, assobiado por usar batina e dizer Missa no altar, cartas anónimas, apreciações malsinadas e ameaças. Assim, afastado dos Pobres, Doentes e Reclusos (que sempre visitou e ajudou), deu-se às crianças da rua.
De 1935 a 1939 promoveu as Colónias de Campo do Garoto da Baixa (de Coimbra) em S. Pedro de Alva e Vila Nova do Ceira. A 7 de Janeiro de 1940, dia do Santíssimo Nome de Jesus, fundou a primeira Casa do Gaiato em Miranda do Corvo, para crianças abandonadas e sem família, sob a divisa Obra de Rapazes, para Rapazes, pelos Rapazes.
A Obra da Rua foi crescendo como uma bola de neve, sendo uma Obra eminentemente social e familiar, escrevendo assim: Em nome de Deus quero solenemente declarar hoje, aos amigos da Obra, que ela foi criada e lançada para amparar dignamente o Filho da Família Pobre. Na missão sublime de educar, Pai Américo deixou uma bela confidência: Há um segredo divino no meu palmilhar de cada dia, que me não deixa cair no chão: eu desejo encontrar na Eternidade, sentados à direita do Pai Celeste, todos aqueles garotos que me passam pela mão.
Atualmente, há mais seis Casas do Gaiato: Paço de Sousa (1943, sede da Obra da Rua), Beire (1954, Paredes), Setúbal (1955), Benguela e Malanje (1963, Angola), e Maputo (1967, Moçambique). Em 1941, fundou o Lar do Ex-Pupilo dos Reformatórios e das Tutorias, em Coimbra. Em 1945, abriu o primeiro Lar do Gaiato no Porto, seguindo-se Coimbra, Lisboa e Setúbal. Em 1951, fundou o Património dos Pobres, sob o lema Cada freguesia cuide dos seus pobres, tendo sido construídas mais de 3500 moradias em Portugal continental, Madeira e Açores, Angola e Moçambique. A última inspiração foi o Calvário, para doentes pobres incuráveis e abandonados, que funciona em Beire, desde 16 de Julho de 1957. São belas estas palavras que escreveu: Ai da Obra da Rua se não fosse da Igreja! Aí de mim, se eu não fosse da Igreja! Que podia eu sem ela? E que não posso eu com ela? Efectuou várias viagens, na sua missão: em 1949, foi ao Brasil; entre Julho e Outubro de 1952, fez uma viagem a África (Angola e Moçambique); e em 1956 fez uma viagem à Madeira outra aos Açores.
Na comunicação escrita, colaborou na revista Lume Novo, do Seminário de Coimbra; e desde 1932 escreveu no jornal diocesano Correio de Coimbra; e depois no jornal A Ordem (Porto). A 5 de Março de 1944 fundou o jornal O Gaiato, quinzenário da Obra da Rua. Estão publicados, para já, onze títulos das obras do autor: Pão dos Pobres, Obra da Rua, Isto é a Casa do Gaiato, O Barredo, Ovo de Colombo, Viagens, Doutrina, Cantinho dos Rapazes, Notas da Quinzena, De Como Eu Fui…, Correspondência dos Leitores.
Faleceu no Hospital Geral de Santo António (Porto), a 16 de Julho de 1956, tendo afirmado: Sou da Santa Madre Igreja Católica aonde espero morrer. Na sua última vontade, deixou isto: Não desejo os paramentos do altar, mas somente a batina e descalço. O seu corpo esteve na Igreja da Trindade, aonde acorreram muitas pessoas a chorar o Pai dos Pobres. O Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa, exprimiu-se assim: está de luto a Igreja em Portugal e mais órfãos os rapazes da rua. Jaz em campa rasa na Capela da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, desde 17 de Julho de 1961.
(padre Manuel Mendes)