O Cinema visto pela Teologia (3): Uma leitura do filme “Le Mans ’66: O Duelo”

Já desejou ser um vencedor? Já desejou ver um “David” vencer e, quiçá, humilhar um “Golias”? Já achou, neste ou naquele momento, que, tal como se diz em tantos países, “no amor e na guerra tudo é admissível”? Se respondeu afirmativamente a uma (ou mais) das questões anteriores e, simultaneamente, gosta de carros (mormente “clássicos”) e da adrenalina libertada pela perceção da velocidade, este filme talvez o possa fascinar.

Por Alexandre Freire Duarte

Muito bem realizado; com interpretações cativantes e encorpadas a nível da definição psicológica, quer das personagens principais, quer das relações entre elas; e rico numa notável envolvência “de época” (também otimamente pensada para comunicar a vertigem da competição), “Le Mans ’66: O Duelo” tornar-se-á, certamente, um daqueles filmes que marcarão a história da Sétima Arte. Mas o mesmo pode ser considerado, igualmente e a partir de uma leitura teológica, como um ímpar tratado acerca dos perigos do mau uso dos meios (ou do uso de meios malignos) para se alcançar dados fins (eventualmente bons).

Com efeito e em traços gerais, nesta obra não há qualquer “David” inocente, mas dois ambiciosos “Golias”, uns dos quais se serve, de uma forma oportunista, de um pseudo-“David” para os seus desígnios. Não se pode negar que é possível admitir que, em derradeira análise, tal suposto David acaba, mediante um comportamento autossacrificial que indiretamente tem um culminar fatal, como que redimido de si mesmo – por sinal um dos significados mais profundos da ação salvífica de um Jesus que nos veio salvar do nosso “ego” (que não é senão o nosso “eu” fechado sobre si mesmo e, assim, existindo numa alienação da sua autenticidade teocêntrica). Todavia, é patente que inclusivamente tal conduta é mais fruto das múltiplas engrenagens da ganância de um dos mencionados “Golias”, do que de uma vontade determinada de quem a opera.

Neste contexto, este filme acaba por ser, muitas vezes, uma exaltação de todo um conjunto de certos instintos básicos típicos do homem carnal (ou “não-cristificado”). Exaltação essa, que devia fazer recordar a todo o batizado (e sobretudo àquele que queira ser um genuíno cristão), que não pode intentar lograr, a nível individual e/ou comunitário, uma determinada meta senão através dos próprios critérios messiânicos de Jesus (todos eles sintetizáveis no amor mais gratuito e ego-desinteressado).

Nada, portanto, de cair na cilada, multi-disseminada em diversos horizontes (porventura também eclesiais), de que para se “fazer o bem” (que é sempre um “amar alguém”) tudo pode, e até deve ser aceite. Nada de mais espiritualmente errado e trágico. Tudo o que for logrado através da ego-exaltação, da autopromoção e (da busca) do prestígio, riqueza e poder, até poderá “parecer bem” e alimentar o contentamento e a eficácia (três realidades que acontecem), mas nunca comunicará o bem, a alegria e a fecundidade (realidades que permanecem).

(filme “Le Mans ’66: O Duelo” USA, 2019; Dirigido por James Mangold, com Matt Damon, Christian Bale e Catriona Belfe)