
Aprendemos que a «personificação» é uma figura de estilo que atribui qualidades e comportamentos humanos a seres que o não são. E ao longo da vida, já falámos do “cão que sorri”. Hoje, porém, parece que é bem mais que uma figura literária.
Por João Alves Dias
Vejo mensagens que me surpreendem como a de alguém que escreveu, quando da morte do cão: “A tua ternura enchia-me a vida. Mas eu acredito que um dia nos voltaremos a encontrar”. Sei, por experiência própria, que custa ver morrer um animal a que nos afeiçoámos. Mesmo quando não é de companhia, como era o caso de minha mãe que, quando ia dar de comer aos porcos, tratava-os por «meus bichinhos» e sempre saía de casa na hora da «matança». Mas nada de confusões: animal é animal; pessoa é pessoa.
Entretanto, chegou-me um texto que explica assim a popularidade deste fenómeno:
“A pequenez das nossas famílias cria um vazio que é preenchido por cães e gatos. Numa sociedade de filhos únicos como a nossa, não há irmãos, não há primos. Mas há cães e gatos. Se não há crianças também não há netos. Mas há cães e gatos. A humanização dos animais, uma marca ocidental, é fortíssima em Portugal, porque nós somos uma das sociedades mais velhas, uma das sociedades com mais divórcios e uma das sociedades com menos filhos. (Henrique Raposo).
Não há dúvida que, como me dizia um veterinário, se as pessoas soubessem o bem que os animais fazem, não haveria cães nem gatos abandonados. – “É um folgo vivo com quem falo”, confidenciou-me uma senhora que vivia só. Mas bem diferente é ver animais tratados como pessoas ou ainda melhor e crianças por adotar, idosos sem companhia, doentes à espera duma visita; é saber que a defesa dos animais atrai mais apoios que a dignificação da vida humana. Os “media” reclamam, mais vezes, a construção de canis do que de lares para pessoas de idade. Quando, com os netos, vou ao Parque Oriental do Porto – um lugar muito aprazível – sempre encontro cães a brincar com os donos; raramente, pais a fazê-lo com os filhos e nunca vi um jovem a passear com um idoso.
Razão tem o Santo Padre quando disse: «não criem gatos e cães, façam filhos».
“Mas é melhor talvez – mais cómodo – ter um cãozinho, dois gatos, e o amor vai para o cão e os dois gatos. É verdade isto, ou não? Já viram isto, não é? E no final este matrimónio chega à velhice com a amargura da triste solidão”.(TVI 24 – 18/10 /2019)
Adotar animais é um ato de generosidade que implica sacrifícios. Mau é quando se desvia para eles a ternura devida às pessoas. Mau é saber: que “Portugal é o terceiro país menos solidário na Europa em voluntariado”; que “estamos três vezes abaixo da média da EU”; que,“de 2012 a 2018, baixou de 11,5 para 7,8 o número de voluntários em cada 100 portugueses”. Como são de louvar instituições como o «V.O.U. Acompanhar» que “dá mimos aos idosos isolados”…(cf. JN, 5/11/2019)